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terça-feira, 24 de novembro de 2015

A ÚLTIMA SÁTIRA


Denise Ávila e Manoel Ferreira

Epígrafe
"...esbarrado na calçada, bêbado regurgitado volatiliza palavras sóbrias, depois de escorregar num gole e se deglutir..." (Denise Ávila)

Em instantes de plena alucinação, aspirando as poeiras metafísicas das estradas do nada, pergunto-me entre o sorriso ensandecido e as lágrimas sensaboronas do prazer e volúpia o que seria da pinga se não fossem os pinguços. Espremo os miolos, reviro os olhos, trago a fumaça re-versa de nicotinas e alcatrão, dou saltos escalafobéticos, tudo isso à busca de uma resposta que não seja apenas razoável, plausível, mas que abarque todas as verdades, não mais haja qualquer outra até a consumação dos tempos. E só encontro uma que me parece até feliz, julgo-me satisfeito, sinto-me um gênio de cabelos desgrenhados, capote. "Não fossem os pinguços, a pinga ficaria na prateleira do botequim para a con-templação das almas penadas". Con-templo as palavras, a idéia e a mensagem na frase, re-versando-as de todos os modos e estilos, caio-me na gargalhada, pois que nada mais ridículo que esta res-posta, se ninguém bebe cachaça, se se quiser, pinga, por que alguém iria gastar tempo em fabricá-la?
Na pingudice de todas as horas, nada de me perguntar o que seria da pinga não fossem os pinguços ou o que seriam dos pinguços não fosse a pinga... Nem me lembra que sou pinguço, para me embebedar, encher o rabo todo, tenho de tomar todas e mais algumas de gorjeta, gorjeta que escorre pelo queixo, molha a camisa, os olhos reviram-se, chamo urubu de meu louro, dou nó em pingo dágua, isso para não dizer que me esbarrando na calçada, catando cavaco, atolando a cara na merda dos cavalos puxadores de carroça, arrasto-me no terreno baldio sem cerca de arame farpado, encosto-me no muro, e começo aquela velha ladainha que me acompanha desde o primeiro pileque homérico: "Vou com Deus e Nossa Senhora pelos mata-burros de estradas, o capeta atrás tocando viola, a cachaça minha de todos os dias soma os noves fora do nada de mim, o nada dos noves fora de mim que nasceu sem razão, prolonguei no mundo com a boca escancarada, um bafo de escorraçar todas as criaturas, esperando a morte que até agora não chegou...", ouvindo os velhos aposentados parados, olhando-me de olhos arregalados, assustados da silva e silveiras, como pode alguém beber tanto, viver de pinga e nada mais, dizendo palavras que ninguém disse desde que a vida começou a existir no mundo - na verdade, na verdade, o homem nasceu mesmo sem razão, passa toda a vida sonhando, fantasiando uma verdade que nunca chega, felicidade que nunca houve, alegria então que nunca mostrou a sua cara, são todos os homens idiotas, imbecis, conversa pra boi dormir antes de o coveiro abrir a valeta de sete palmos, antes da morte, antes de o caixão descer, amigos, parentes e conhecidos derramarem todas as lágrimas de crocodilo, antes de pás de terra ser jogada por cima, e nada mais, nem mesmo existiu no mundo, a morte leva até a vida que foi um dia...  
Louco, doido, varrido, esquizofrênico, psicopata, esquizóide, escorregando no último gole que o capeta deixou atrás, errando uma nota de sua viola, desafinando todo o coro de diabos que lhe seguia pela tarde de pálido crepúsculo, me deglutindo no clímax e êxtase do álcool, sentando-me na cadeira do Olimpo qual Zeus que ria a bandeiras soltas de todos os normais e sóbrios que acreditavam na redenção dos pecados, nos prazeres e felicidades do amor, na vida eterna...

E vou seguindo bêbado, regurgitado, volatizando palavras sóbrias pelos becos sem saída, no céu noturno estrelas e lua brilhando, inspirando amados e amantes a declinarem os versos mais lindos, em nome do amor, amém nós tudo...    

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