O que poderia chamar atenção num mundo
onde é de bom tom deixar vagar pelas coisas e as pessoas uma pupila distante,
desesperançada ou nula. Não sei se seria interessante iniciar com uma
interrogação ou se deixaria afirmação. Com efeito, sugere o pensamento não fora
completado. Não desejo qualquer decisão sobre isto, e sem mais nem porquês
deixo o ponto final, talvez até tomando fôlego para continuar.
O aperitivo apequena-me por fora, mas
me faz crescer em profundidade, o que me lega externamente perfil apagado e
excelente oportunidade de me voltar para dentro. Reconheço mais do que nunca,
com simplicidade e humildade, nada devo julgar por grandeza aparente. Deus, que
destes uma inteligência a substâncias que parecem bem desprezíveis, o
infinitamente pequeno vos custa tão pouco como o infinitamente grande; se é
possível haver seres mais pequenos do que estes, podem ainda ter espírito
superior ao daqueles soberbos pássaros que vejo no céu e cujo pé bastaria para
cobrir o globo a que desci.
Dentre as pessoas que me fazem as
honras, há um desses sujeitinhos expeditos, sempre alertas, serviçais,
descarados, inconvenientes, aduladores, complacentes, que espiam a chegada dos
forasteiros, contam-lhes o escândalo do dia e oferecem-lhes prazeres de todos
os preços e estilos, alguns preços são módicos, como convém a bom cardápio ou
guia turístico.
Não me parece que deva silenciar-me
sobre o sumo crédito desse sujeitinho que gozo no céu, pois que aí facilmente
posso obter o perdão com o meu nome, ao passo que não é favorável o da
sabedoria. Rejeito as honras como perniciosas, ao dizer que ensoberbece o
coração e, creio que São Bernardo exprimiu o mesmo sentimento, ao chamar “monte
do saber” àquele monte no qual o soberbo Lúcifer fixou sua residência e morada.
Há nessa
espécie de ascese exegética, fingindo de atarefado e trabalhando o vazio por
dentro, embalo, no esgotamento sistemático de forças, ópio aristocrático tão
bom quanto os outros. Nada de mais cínico e irônico para o espírito que lugares
onde não se tem que pensar no que se faz nem refletir no que se diz, mas
aprender a sentir o sabor da paz, a dizer a missa ou saltar na altura.
Tesouros sempre crescentes, dos receios
e ingenuidades, a importância que logra ligar à vida, a estupidez das palavras
e dos lemas, todavia incapaz de sentir, o que sobremaneira tem sentido e vale a
pena seguir os passos, a alegria infantil, fisionomia mais inteligente e
espirituosa do que a dos outros, aquela tolice ingênua, não se levantar de
manhã por sentir-se com preguiça. Ocorre-me, depois de algumas muitas horas da
noite passada em sociedade, não me levantar pela manhã por sentir-me entediado.
Ponho-me de pé. A boca seca que a sede
provoca na língua e garganta, lábios e céu-da-boca tem-se tornado insuportável.
Num estado de displicência, dispersão, prossigo na caminhada, afastando as
galhas com espinho, devastando a senda que acompanha a ribeira. Enquanto sigo
em direção contrária à corrente do Rio Grande, ouço as inúmeras qualidades de
canto dos pássaros, vejo um potro que se amamenta na mãe, os murmúrios das
águas tornam-se-me sagrados, alegro-me com todo este conhecimento novo,
reencontro assim a qualidade de silêncio que amo, em que se escuta juntas
estalarem e se sente a cólera de esticar os ossos dos dedos na sombra, a cara
completamente em osso: faces encovadas, testa saliente, maças do rosto baixas,
já ouviste falar que com a idade caem as rugas japonesas, olhos pequenos, quase
de sono chegando até às têmporas de paralelepípedo de um entalhe cinza claro,
seteiras em que rolam pequenas pupilas negras, misteriosas, que me espreitam
obliquamente...
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