“Mais ágil que todo o movimento é a sabedoria:
ela atravessa e penetra tudo, graças à sua pureza”
(Sabedoria, 7,24)
Cretino Ferreira chegara a Serra das Águias, num Domingo de Páscoa, tendo
já alugado pequeno casebre num bairro afastado do centro. As pessoas acharam
aquele homem esquisito. “Se isto é nome: Cretino Ferreira?!”
Fazer o quê? Não conversava com ninguém, incapaz de cumprimentar quem
encontrasse pelas ruas. Alguns comentários surgiram, mas compreenderam que não
havia se adaptado. Com o tempo adquiriria amigos e companheiros.
Pela manhã, saía para caminhar, sempre de cabeça baixa. Voltava, tomava
banho, apanhava sobre o criado a pasta, indo tomar o ônibus, em direção ao centro da cidade, onde
lecionava Língua Portuguesa.
Com o passar do tempo, havia pessoas que acertavam os relógios de acordo com os seus hábitos e costumes. Não
só pela manhã. Ao final da tarde, quando retornava do trabalho, dirigindo-se ao
barzinho, onde tomava cerveja, lendo os jornais.
Devido aos comportamentos, algumas pessoas procuraram até saber em Monte
Velho, onde ele trabalhava. Lecionava num Colégio de Irmãs: Instituto Santa
Terezinha do Menino de Jesus.
Cretino Ferreira, mesmo em Monte Velho, não conversava, não cumprimentava
ninguém, homem silencioso. Só se ouvia sua voz na sala de aula. Chegara calado
à cidade e provavelmente sairá mudo. Só abriu a boca no início por necessitar
de emprego.
“Ao conseguir o seu emprego na Verduraria Suiça, veio direto conversar
comigo. Disse-me: “Os documentos estão aqui, mas não revele a ninguém de onde
sou. Não ficou comigo muito tempo. Começou a lecionar”.
Cretino Ferreira estava tomando cerveja, lendo jornal, quando entrou uma
moça de uns dezesseis anos. De imediato, numa outra mesa, duas adolescentes
gritaram logo: “E aí, Rosana, gostou de Monte Velho? Aproveitou suas férias?” A
mocinha respondeu, parando no meio do botequim, fazendo gestos com os dedos
indicadores sobre a cabeça, erguendo a perna esquerda: ‘Se tivesse par de
chifres, soubesse dar coices, seria recebida com honras de chefe de Estado”.
Cretino Ferreira observou bem aquela situação.
A mocinha, percebendo, ficando desajeitada e “oratisada”, indagou:
“Desculpe, moço, o senhor é de Monte Velho?!”.
- Fique à vontade... Não sou, mas concordo com você.
Todos riram por conhecerem a fama de Monte Velho, a agressividade e
grosseria das pessoas. Cretino Ferreira voltou a ler jornal, afastando-se de
qualquer outro comentário. Foi a única vez que abriu a boca.
O jornal local, Movimento Contrário, em seu Fatos e Cousitas, fundada por
Justino Capão, chegou a comentar sobre esta passagem, com o seguinte título: “O silêncio não tem
chifres”, por achar inusitada a presença de espírito da adolescente. Estar
Cretino Ferreira em silêncio, apenas observando.
Cretino Ferreira lera a matéria. Se havia alguma setinha apontando-lhe,
não conseguira descobrir, não entendera assim.
Se escrevera isto com a intenção
de causar polêmica, enfim, a toupeira abrira a boca, enganou-se, porque Cretino
Ferreira não deu a mínima para a nota em seu Fatos e Cousitas.
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