Será que de antemão
devesse apresentar-me? Será que devesse eu cumprimentar antes de apresentar-me
ou não? Sinceramente, não sei como a etiqueta recomenda agir. A única
justificativa que consigo pensar e sentir, a única que me vem à consciência, é
que não nasci para enfiar na cabeça as normas e etiquetas, perco-me nelas e
acabo é no ridículo, dando motivo a risadinhas, e ninguém tem a coragem de rir
na cara, ri nas suas alcovas com a mulher e solitário, preenchendo a noite.
Justificativa. Em verdade, não me interesso por elas, mas em se tratando de uma
pessoa o melhor seria conhecer estas coisas. Não como as imaginações férteis
podem pensar: isolei-me e exilei-me do mundo dos homens, perdi o convívio. Sou
um eremita.
Creio porém que
apresentar-me antes de cumprimentar seja o mais conveniente por esta atitude
ser de bom tom, por esta ação ser de respeito e consideração. Receberei de
imediato um sorriso ameno, não diria doce pois está no espírito dos poetas tais
disparates, quem dera tivesse este dom de escrever poemas!... Restará ouvir-me
conversar, a minha linguagem, as gafes da concordância, da regência, do
estilo... Contar os erros gramaticais de outras ordens. Apresento uma linguagem
que o fará ficar pensando em meus objetivos e intenções, de que mesmo estou a
dizer.
Dou-me a conhecer a vós ou simplesmente finjo
que não sou eu, faço de conta e propósito que não tenho educação alguma, que a
minha sinceridade é da idade da pedra? Os chistes e pitis ficam por conta de cada
um, todos possuem estes comportamentos e estranhos. Posso afiançar que não
estou com um espírito galhofeiro agora. Estou apenas um pouco incomodado com o
como aproximar-me de vós. Linguagem e estilo não me faltam, mas a questão é de
me julgarem e pensarem muitos que sou um homem das cavernas, a sinceridade ser
da idade da pedra, não importa se da pedra lascada ou da polida, são outras
discussões. Os generosos e compassivos dirão que sou um homem das montanhas,
anos de meditação acerca dos destinos do homem. Desci da montanha para me
refestelar um pouco, encontrar-me com os homens. Outros dirão que
enchafurdei-me num quarto e pus-me a ler como louco, enfim sou neurótico
compulsei. Agora não sei mais comunicar-me com os homens.
Converso comigo mesmo,
dialogo terrivelmente admirado e surpreso, absolutamente perplexo, quem sabe
seja pelo cinismo que descubro em mim neste momento!...
Será melhor mesmo fingir que não sou eu, mas
alguém que sente e pensa como eu, pareça-se comigo, e não fazer caso de qualquer
outra coisa. É isso não sou eu, finjo que não sou eu, represento não ser eu.
Por que estou eu sem dúvida muito
orgulhoso de todas estas palavras?! Por que estou indubitavelmente alegre e
contente com todas estes desejos e vontades?! Enfim, por que estou realizado
com a imagem que se reflete no espelho, com a imagem do meu rosto? Haveria
alguma razão para tudo isso ou simplesmente invento coisas por nada haver a ser
feito neste instante? Não o sei. Há em mim um enorme desejo de mostrar-me, de
ser, mas me lembro bem de algo que tenho pensado muito ultimamente, algo que
tem gastado bem o meu tempo, tenho mesmo pensado no fato de que ser não é
mostrar-me e mostrar-me não é ser. Há todo um mistério e enigma a encobrir esta
lema que venho buscando realizar em mim. Por que estou em paz com a imagem que
se me oferece o espelho?
Olhando
no espelho a imagem que se oferece a mim, embora seja realmente difícil e
triste assumir, mas o entendimento de quem sou não se dá com um acúmulo de
conhecimentos, armazenamento de muitos saberes. Ao contrário disso, o
entendimento de minha imagem no espelho se dá através da luta, ele é o
resultado da árdua tarefa para libertar-me do conhecimento. O entendimento
desta imagem des-dobra, des-facela, multifacela o antigo conhecimento para
abrir espaço para a novidade, o que há de novo em mim, que até o presente
instante não se manifestou, o que está mais próximo e de acordo com a minha
realidade.
Manoel Ferreira
(Reelaborado
em 12 de maio de 2002
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