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terça-feira, 24 de novembro de 2015

A SINCERIDADE É DA IDADE DA PEDRA


 

Será que de antemão devesse apresentar-me? Será que devesse eu cumprimentar antes de apresentar-me ou não? Sinceramente, não sei como a etiqueta recomenda agir. A única justificativa que consigo pensar e sentir, a única que me vem à consciência, é que não nasci para enfiar na cabeça as normas e etiquetas, perco-me nelas e acabo é no ridículo, dando motivo a risadinhas, e ninguém tem a coragem de rir na cara, ri nas suas alcovas com a mulher e solitário, preenchendo a noite. Justificativa. Em verdade, não me interesso por elas, mas em se tratando de uma pessoa o melhor seria conhecer estas coisas. Não como as imaginações férteis podem pensar: isolei-me e exilei-me do mundo dos homens, perdi o convívio. Sou um eremita.   

Creio porém que apresentar-me antes de cumprimentar seja o mais conveniente por esta atitude ser de bom tom, por esta ação ser de respeito e consideração. Receberei de imediato um sorriso ameno, não diria doce pois está no espírito dos poetas tais disparates, quem dera tivesse este dom de escrever poemas!... Restará ouvir-me conversar, a minha linguagem, as gafes da concordância, da regência, do estilo... Contar os erros gramaticais de outras ordens. Apresento uma linguagem que o fará ficar pensando em meus objetivos e intenções, de que mesmo estou a dizer.

 Dou-me a conhecer a vós ou simplesmente finjo que não sou eu, faço de conta e propósito que não tenho educação alguma, que a minha sinceridade é da idade da pedra? Os chistes e pitis ficam por conta de cada um, todos possuem estes comportamentos e estranhos. Posso afiançar que não estou com um espírito galhofeiro agora. Estou apenas um pouco incomodado com o como aproximar-me de vós. Linguagem e estilo não me faltam, mas a questão é de me julgarem e pensarem muitos que sou um homem das cavernas, a sinceridade ser da idade da pedra, não importa se da pedra lascada ou da polida, são outras discussões. Os generosos e compassivos dirão que sou um homem das montanhas, anos de meditação acerca dos destinos do homem. Desci da montanha para me refestelar um pouco, encontrar-me com os homens. Outros dirão que enchafurdei-me num quarto e pus-me a ler como louco, enfim sou neurótico compulsei. Agora não sei mais comunicar-me com os homens. 

Converso comigo mesmo, dialogo terrivelmente admirado e surpreso, absolutamente perplexo, quem sabe seja pelo cinismo que descubro em mim neste momento!...

 Será melhor mesmo fingir que não sou eu, mas alguém que sente e pensa como eu, pareça-se comigo, e não fazer caso de qualquer outra coisa. É isso não sou eu, finjo que não sou eu, represento não ser eu.

        Por que estou eu sem dúvida muito orgulhoso de todas estas palavras?! Por que estou indubitavelmente alegre e contente com todas estes desejos e vontades?! Enfim, por que estou realizado com a imagem que se reflete no espelho, com a imagem do meu rosto? Haveria alguma razão para tudo isso ou simplesmente invento coisas por nada haver a ser feito neste instante? Não o sei. Há em mim um enorme desejo de mostrar-me, de ser, mas me lembro bem de algo que tenho pensado muito ultimamente, algo que tem gastado bem o meu tempo, tenho mesmo pensado no fato de que ser não é mostrar-me e mostrar-me não é ser. Há todo um mistério e enigma a encobrir esta lema que venho buscando realizar em mim. Por que estou em paz com a imagem que se me oferece o espelho?

Olhando no espelho a imagem que se oferece a mim, embora seja realmente difícil e triste assumir, mas o entendimento de quem sou não se dá com um acúmulo de conhecimentos, armazenamento de muitos saberes. Ao contrário disso, o entendimento de minha imagem no espelho se dá através da luta, ele é o resultado da árdua tarefa para libertar-me do conhecimento. O entendimento desta imagem des-dobra, des-facela, multifacela o antigo conhecimento para abrir espaço para a novidade, o que há de novo em mim, que até o presente instante não se manifestou, o que está mais próximo e de acordo com a minha realidade.

                                                                Manoel Ferreira
                                               (Reelaborado em 12 de maio de 2002

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