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terça-feira, 24 de novembro de 2015

A PROPÓSITO DE IVO PEREIRA



Sendo assim, tecerei uma obra acerca do homem Ivo Pereira, comentando sobre os seus caminhos de músico, desde a adolescência, permeados de experiências e aprendizagens, isto o que sugere o título, contudo não se tem qualquer desejo de uma biografia do músico, a intenção não é de partir do artista, do criador, mas do ponto de vista do leitor dos “poemas”, do ouvinte das músicas-poemas  – a biografia está bem caracterizada na Internet, e tenho o hábito e o costume de distanciar-me do mesmo -, faltam-me as letras e os dados comprobatórios de seus passos existenciais, e ademais creio seria isto coloca-lo e deixa-lo “sozinho na solidão”,  nesta encerrado para toda a eternidade, o “músico excepcional”, o gênio, “o músico das palavras”, e tantos outros templos,  de acordo com o que escreve no poema-música “Casos”.
Adulterando o sentido implícito do título, caracterizar o homem Ivo Pereira, tomarei outros rumos, aliás, até com a intenção de ensinar alguns como se procede ao comentar uma obra, negligenciando os clichês, frases feitas e demodê, para considerar algo de sublime percuciência neste CD “Som das Luzes”, a imagem de eternidade como constituinte do espírito, e ela só se revela “Nas montanhas nuvens puras de orações”, verso de “Serenata”, e revelando algo que o músico-amigo comentara comigo tomando um café numa taberna de esquina, “A música é para mim uma oração”.
Seria mister conhecer a música destes poemas, a fim de certificar-me de algumas intuições, contemplações de sua operação musical, quem sabe eficaz, assim o espero, tão eficaz quanto nos seus poemas, que me parece impossível imaginar este verso, “E Orfeu de longe luz” de um poema dramático, “Você e a Lua”, sem intuir as palavras se tornam músicas, as músicas se tornam as palavras que o espírito não escreve, melodias que as palavras não cantam, embora a sua linguagem sobremodo simples, e nesta toda simplicidade, Ivo Pereira mostra-nos a intuição da eternidade, uma dimensão sensível “pura”, “simples” – isto sem estar querendo demonstrar a eternidade da música, esta eternidade é o homem quem compõe músicas, é o homem quem as ouve, quem se alimenta delas em todos os instantes da vida, quem deseja o instante sublime do encantamento. O texto dramático, sem o poder espiritual, revela-se no inconsciente divino, que a música exerce sobre todas os seus estilos e desejo contundente do belo, enquanto imagem da “luz”, da “iluminação”. Se o invisível é apenas a face oculta da realidade, e se a palavra é epifania, é a música que torna esta revelação possível, a luz da vida, dos caminhos à busca da harmonia e sintonia com a eternidade. Se tomo em consideração os poemas, as formas, os estilos, a estética, o ideal da beleza e da luz. Os poemas, sendo músicas, dinamizam a memória de toda a humanidade, estrutura o tempo da representação. “Pois viver é fundamental”, como escreve em Feras e Colibris.
Bem que se deve considerar a possibilidade de um desvio, se enfatizo o verso “E Orfeu de longe luz”, a procura das origens da música e do canto reanima o mito de Orfeu. O herói que encanta os animais, os homens e os deuses pela beleza de seu canto demonstra o poder da música e, acima de tudo, do canto sobre as almas. Sua lenda atravessou os séculos através da Eneida de Virgílio. O redescobrimento desta literatura pelos humanistas renascentistas fez o Orfeu renascer como herói cujo destino é ligado ao poder encantador da música numa lógica neoplatônica de supremacia da voz sobre os instrumentos – até creio que Ivo Pereira, estritamente na composição musical, saiba a necessidade de tornar palavras em sons, ritmos, perspectivas, melodias, de tornar sons em luz, através da intuição musical de harmonia e sincronia com os instrumentos, música e instrumentos se completam, e isto só seja possível se considerar que o espírito deseja mergulhar na eternidade, tornando-a luz que continua vivendo quando a música acaba, que continua iluminando os caminhos, o céu através de suas estrelas, de sua lua, continua iluminando os homens à busca de suas vocações, de seus dons, enfim, de sua felicidade, de seu amor e compaixão. 
A presença e força de intenção e desejo dos poemas de Ivo Pereira fundamentam-se, [isto é interessante nos poemas, não são palavras registradas com intuição e contemplação, mas sons, ritmos, melodias, perspectivas, ouvidos e contemplados à luz da busca do encantamento do espírito, da alma, a ressurreição, a iluminação] nos  desejos mais profundos de musicar do melhor modo possível com linguagem, pensamentos, idéias, contemplações, fé, conceitos, as palavras cantam a alma nova, o espírito re-nascido, “... Quando a lua no céu brilha solitária”, aliás, relembrando com nitidez a origem, a busca da origem da música, a luz, o brilho solitário da luz é luz, luz que se torna música, [sem a tensão entre Eu e o Mundo, não se constitui a verdade no momento da arte], a arte-música, desde o despertar do espírito para a sua eternidade, ser esta parte constituinte daquele, para a luz que, nas montanhas, ilumina as nuvens puras de orações.
Adorno em “On popular music”, escreve “a música emocional assumiu a imagem da mãe que diz: “vem e chora, meu filho”. Quem olha as estrelas solitárias no céu, diante de quaisquer circunstâncias e situações, sente-se convidado a deitar a cabeça em seu seio, chorar de tristeza ou de alegria. A música emocional, [a contempla-la através de seus versos, de seus poemas],  de Ivo Pereira se compõe em versos-sons que se fazem percebidos através da imagem da eternidade se tornando luz, diante do qual o homem toma consciência de seus caminhos, de suas vocações mais sensíveis. “Pois viver é fundamental”, e viver é encontro, é realização, é sintonia de desejos e sonhos, é harmonia de sentimentos e dons.
Referi-me antes à questão de se dever considerar um desvio, relacionando a luz e o som, sendo o título do CD, “Som das Luzes”  - em que sentido e, tomando de empréstimo a perspectiva musical, metáfora, a luz e o som constituem um desvio? Faz-se mister considerar que a luz das profundezas faz brotar a vinha que dá vinho, o som das profundezas é de natureza musical, por ser uma melodia infinita ou potencialmente infinita, cheia de sons que se ampliam infinitamente. Os poemas musicados são poemas que podiam ser escritos especialmente para serem cantados como fragmentos de poemas maiores. A vontade  de dar expressão aos sons das palavras, expressão particular de felicidade, conquista, entrega, busca, e torna-las inteligíveis à razão, à alma, à sabedoria, ao espírito, a música participa da renovação do espírito à luz dos sonhos e das utopias, “... Quando a lua no céu brilha solitária”,  os efeitos da magia dentro da luz, dentro dos sons, tudo contribui para as “nuvens puras de orações”.  Os sons anunciam o que o coração sente e somente após a síntese da luz e dos sons é que a eternidade se revela. A música conhece da palavra “todos os desvios ocultos”, e quem não deseja as estrelas não “olha para o céu”. Se o sujeito é todo luz e está à luz da história, alcançar a felicidade, significando-a a luz, é o objetivo último, o objetivo primeiro, a luta pela conservação da vida, “Pois viver é fundamental”, verso de Feras e Colibris.
A autêntica vanguarda é formada não por aqueles que tentam abandonar a forma e unir arte e espírito, mas pelos que não recuam diante das exigências da alma e do espírito, que encontram a nova palavra, som e imagens capazes de tornar sons e luzes a expressão da eternidade, que é parte do espírito.
Assim é que poderia terminar esta leitura de seus poemas, e, sem dúvida, no espírito se revelam intuições desta música, deste ritmo, dessa metáfora da felicidade, de encontro, “Nas montanhas nuvens puras de orações”, mas creio que teria uma derradeira voz, desejo referir-me à eternidade ter sido posta no mundo do espírito, ao qual cada um e todos têm seu acesso interior imediato; o símbolo da eternidade como luz, “E Orfeu de Longe Luz”, da articulação de sons e luzes, a verdadeira arte atinge um certo nível de eternidade, advindo do cuidado que o espírito humano tem de conserva-la ao máximo, a fim de prolongar a experiência do reconhecimento. E é pelo reconhecimento que se atinge a verdadeira luz, espiritualidade e, conseqüentemente, as verdadeiras “nuvens puras de orações”.
Termino cumprimentando com muito carinho o músico Ivo Pereira por seus poemas-músicas, “Som das Luzes”, por esta viagem tão profunda nos espirais do espírito, restando-me agora o prazer de ouvir as suas músicas, podendo assim mover as fronteiras dos sons e das luzes, torna-las parte constituinte do espírito.                          


                                                                 Manoel Ferreira 

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