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terça-feira, 24 de novembro de 2015

A PROPÓSITO DA "JANELA ABERTA" DE DENISE ÁVILA


SÓTÃO 
Denise Ávila

escalo
degrau por degrau
tropeçando em meio
a penumbra
altura sempre 
me assusta
mas compensas
com plenitude
pois fico sem atitude
quando paro
em frente a janela
e extasiado de euforia
mergulho através dela
me alçando num 
voo livre
com asas que 
não teria 
pra me trazer 
alegria se não
olhasse

"Degrau por degrau/tropeçando em meio/a penumbra... - É esse itinerário que desejo tentar re-traçar, passo a passo. Primeiro a ascensão... Denise Ávila é uma lírica: por uma sorte muito particular, essa mulher honesta e boa, de inteligência precisa e imparcial, que pensa mais nos outros do que em si mesma, fala de si, diga o que disser, sem mesmo suspeitá-lo. Subindo, degrau por degrau, a escada do sótão, o desejo está estabelecido, resta real-izá-lo, real-izá-lo conforme a vontade da alma, conforme o sonho do espírito, a liberdade, ela quer ser livre, ela quer alçar voo à liberdade. Tropeça em meio à penumbra, o desejo da janela aberta a cada instante in-tensifica, a cada instante cresce, está ansiosa, o sótão lhe a-nunciou a vida, a conquista de seu espaço em direção ao horizonte, aos uni-versos à luz de que sentirá o espírito da liberdade, alçando o seu voo. Tropeça em meio à penumbra, porque o sótão é lugar de tristeza, solidão, angústia, medo do inexplicável, do inolvidável, do inaudito, do desconhecido, depois da escada, superado o último degrau, a janela aberta se re-velará, a visão da janela aberta, a catarse, a alegria, o encontro do eu, a felicidade, a cor-agem do voo, entregar-se inteira à liberdade, ao seu verdadeiro Ser. Não a catarse apenas na linguagem de um poema, no estilo de versos e estrofes, nas palavras que a-nunciam no inter-dito o livre acesso à vida plena, mas a catarse verdadeira, a catarse do infra-silêncio - silêncio que se estende sobre toda a alma, sobre todo o ser -, a busca da vida. 
Assim como Platão duplica seu movimento dialético pela ascese do amor, assim também poderíamos falar no caso de Denise Ávila de uma espécie de ascese através da janela aberta, a liberdade do vôo. 
"Mergulhar através dela/me alçando num/voo livre..." Mergulhar é con-templar. Pertence ao espírito poder con-templar. Con-templar significa ouvir a Palavra que ecoa em todas as palavras. Denise Ávila ouviu a palavra Liberdade, "ser livre", alçando vôo através da janela, desde o sótão. Con-templar implica colocar-se, silenciosa e imediatamente, diante do objeto, no poema o "objeto" é a "janela aberta". Esse desejo do vôo, cultivo do espírito - espiritualidade - pertence indubitavelmente à natureza humana. É parte natural do processo de humanização especialmente na fase adulta da vida. Importa enfatizar: a espiritualidade é um dado antropológico de base. A liberdade é um dado da totalidade de nossa vida que se impõe por ela mesma. Ela fala dentro de nós. Ela nos ad-verte. Ela nos apóia. É a nossa mestre interior, grande anciã que sempre nos acompanha. Ela é indestrutível. É o nosso mistério que toca o mistério do mundo. "... voo livre/com asas que/não teria/pra me trazer/alegria se não/olhasse". Olhar através da janela aberta os horizontes, uni-versos, o in-finito cria o desejo do voo, cria asas, cria o desejo de "cuidar do espírito". Cuidar do espírito é estar sempre atento e ouvir as mensagens que vêm de todos os lados. Janela aberta é símbolo de outra Realidade. Ela é um foco irradiador de sentido. Um amor que em tudo penetra e resplende. Que move o céu e todas as estrelas.
Denise Ávila se pergunta como expressar o vôo, o infra-silêncio do vôo, através de palavras. Encontra-se em Denise o mimetismo do instante. O silêncio e o instante não sendo senão única e mesma coisa, é a configuração do instante que ela deve conferir à sua sensibilidade, ao seu espírito em busca da espiritualidade. 
Sótão é a alma de Denise, é o seu íntimo, a sua intimidade, o seu inconsciente. Sai desse "sótão", sai em busca da janela aberta, sai em busca do vôo, sai em busca da liberdade. Assim, não se trata mais apenas de um poema, o poema trans-cende, mergulha na realidade, con-templa os horizontes e uni-versos do espírito, alça o vôo em busca da espiritualidade. 
Não seria em nada "surrealismo", se afirmamos que Denise Ávila alça o seu vôo, voa por todos os lugares, por toda a vida, por todos os momentos e instantes. Espiritualiza-se. Sente emergir dentro de si o Espírito. Na força de sua irradiação e de seu calor, religa todas as suas memórias pretéritas. Articula todas as forças escndidas. Recupera o elo perdido do seu passado perfeito. E entra num novo ser e num novo estado de consciência. Voa e voa para o alto. Voa em plen-itude. Volta a ser mulher livre, volta a ser mulher-espírito, mulher-espiritualidade. 

Manoel Ferreira

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