Bons dias!
Devendo ou não, chamando a atenção ou não, polêmico
ou não, o que me importam as opiniões, a consciência é que traça os objetivos e
projetos, verdades e equívocos, mas estou pensando em dedicar algumas linhas e entre-linhas
ao digníssimo filho-da-puta, fazer-lhe uma homenagem daquelas, empolada e
empafiosa, recebendo o seu abraço e cumprimentos sempre que nos ombrearmos
nalgum lugar da cidade, especialmente nos clubes sociais, nos discursos na
Câmara Municipal, nos eventos políticos e sociais, nos restaurantes de cinco
estrelas, onde a elite da idoneidade está sempre presente, até mesmo convidado para um churrasco em sua
residência, regado a vinho, uísque, cachaça e cerveja, quando terá oportunidade
de me agradecer, mostrar-me sua amizade e consideração, presentear-me com uma
caneta toda de ouro, para escrever as suas memórias, colocar-me-á a par de
tudo, estou sim bastante carente de seus reconhecimentos; não conheço homenagem
que alguém lhe tenha feito, sempre quis, mas era eu próprio quem deveria
fazê-lo, escrever com todas as volúpias de meus escárnios e ad-mirações,
assumindo as conseqüências e me sentindo feliz com os elogios, o porquê
desconheço, creio ser devido às fortes tradições morais, aos princípios idôneos,
mesmo porque algumas pessoas têm medo considerável de os leitores pensarem que
são coniventes, tremem e tremelicam mais que bambus ao vento, que concordam com
tudo o que eles fazem, são deles cúmplices, álibis, asseclas, que são deles fãs
de carteirinha, diga quem você elogia e homenageia e eu lhe direi quem você é,
que você é. Dizem as más e boas línguas a coisa mais fácil é ser filho-da-puta,
bem mais fácil que ser honrado e digno, isso exige obras e feitos,
comportamentos e gestos, o que em certas espécies e estirpes concordo e
endosso, mas não é tão simples quanto possa parecer ou alguém imaginar, exige
arte e engenhosidade.
Contudo, apesar dos pesares, merecem; se não houver
quem lhes faça essa gentileza, não terão lugar na história, serão lembrados por
alguns anos, após a morte, por seus conhecidos, amigos e inimigos, elencando
todas as atitudes, ações, comportamentos, mostrando sua vida pregressa inteira,
não deixando suciedade em cima de suciedade, que lhe fazem as importâncias, até
podendo escrever obras e mais obras a respeito,
e colocando todas as virtudes na mídia, sendo os deuses da comunicação,
depois esquecidos por completo. Isso é injusto. A partir do instante em que
figurarem nalguma prosa ou poema, jamais serão esquecidos, haverá sempre quem
leia as páginas, estude o caráter e personalidade deles, até defenda
dissertações, teses, tornando-se egrégios doutores da filhadaputagem, da
filhadaputice, fazendo discursos nas universidades, em shoppings culturais e
artísticos, escrevendo para jornais e revistas especializados, comente, teça
considerações jocosas e indecentes, sirva deles para não caírem nas suas
condutas e posturas, não agirem como eles agiram.
Seria
que esse título, essa definição, ninguém gosta de assim ser chamado, conforme o
humor de quem assim é intitulado a morte é inevitável, muitos já foram para os
quintos do inferno por isso, nascera do preconceito contra a mulher que vende o
seu corpo a preços módicos ou bem caros, ser puta é não ter caráter,
princípios, valores e virtudes? A raiva, o ódio que sentem não é por a mãe
estar envolvida, mas por lhes chamar de homens sem caráter, pulha, caguincho.
Aliás, não há quem não diga: “Tenho três mães: uma no céu, a outra aqui na
terra, a terceira na boca dos outros”. O filho-da-puta é aquele que não tem
caráter, seguindo aquilo que diz o povo, constituindo “sabedoria popular”, isto
é, “filho de peixe peixinho é”, “filho-da-puta é o filho de puta”, herdou-lhe a
falta de caráter, todas as suas atitudes e ações são perfeitamente indecorosas,
imorais, não tem qualquer senso. Assim eu penso ser ele, se não apresento a
verdadeira definição, é que o dicionário não traz essas definições, é um
atentado contra a moralidade, contra os bons princípios.
Desde
tempos imemoriais, desde a Criação, os filhos-da-puta ec-sistem, ao longo dos
séculos e milênios são os lídimos responsáveis, são as sementes frescas e
vivas, dos homens idôneos, noutras palavras, os idôneos ec-sistem porque os
filhos-da-puta lhes deram a luz, na história dos homens e do mundo o mal
precede o bem, e só através do mal é que o bem se revela, e a vida seja um
pró-jeto ou objetivo. À mãe o filho deve sempre agradecer-lhe por lhe haver
dado a luz, sendo carinhoso, terno, amoroso, delicado, ser-lhe totalmente
grato. Todo poder emana da mãe. Todo filho é mina de uivos, mas a mãe é o
resplandecer das esmeraldas. Todo saber emana da mãe. Então, já que os
filhos-da-puta deram a luz aos homens idôneos, de condutas e posturas honradas
e dignas, não é justo agradecer-lhes, tratar-lhes bem, ser-lhes carinhosos,
ternos, amigos, reconhecer-lhes de modo e estilo verdadeiro? Quem isto condena,
quem apresenta argumentos os mais variados contra, é que nada conhece da raça
humana, é que nada conhece do Livro Sagrado, é que nada conhece da natureza e
condição humanas, é que nada conhece da vida, é que já mandou a metafísica às
pré-fundas do inferno. De início eram poucos, mas garantiam as buscas da
idoneidade de muitos, eram inspirações para a humanidade sonhar com o bem,
entregar a vida inteira à busca dele.
Nos tempos modernos, especialmente em nossa
atualidade, os filhos-da-puta imperam, ocupam todos os cargos e são
trabalhadores em todos os lugares, na política são noventa e nove por cento. O
mundo é deles, e não haverá o quê ou quem lhes destitua, como não haverá quem
neles se inspire para o encontro com o bem, com a espiritualidade e os valores
eternos e insofismáveis, neles se inspirarão para absolutizar e eternizar a
essência digna e honrosa do ser humano. Não adiantará qualquer tentativa de
lhes destituir, da idoneidade voltar a imperar no mundo, de crescimento e
desenvolvimento do bem e das virtudes. Os filhos-da-puta estarão sempre
presentes, querendo ou não, admitindo ou não, as ciências e o conhecimento só
se desenvolverão com as suas características, atitudes e ações, comportamentos,
pitis, mazelas, e tudo o mais que se possa acrescentar. Isto de elogiar a
minoria, de lhe vangloriar o caráter e personalidade, de lhe encomiar os feitos
e obras, é querer de modo fantasioso e quimérico manter uma tradição, ser
conservador, digamos n´única palavra, é viajar na maionese da batatinha ou no
verde da banana nanica, antes de ser apanhada, originalmente na sua penca. O
real e a realidade são eles, a vida e o post-mortem são eles que garantem, a verdade
pura e absoluta está em suas mãos feitas concha. Então, é deixar a minoria, não
tentar extinguir-lhe, bom que ec-sista, excelente que habite o mundo, garante a
dialética, garante a contradição, garante o questionamento e as buscas. É tecer
considerações sempre verdadeiras e sinceras ao filho-da-puta, e assim
incentivar-lhe a continuar suas trajetórias e itinerários à filhadaputagem da
vida e do mundo.
Tratemos
de defender os filhos-da-puta, o argumento de que eles mesmos vestidos andam
nus e obscenamente trajados de cara-de-pau, não com os entimemas dos estóicos,
mas com um exemplo palmar. Quem no mundo viverá mais feliz do que os
vulgarmente chamados insensatos, caguinchos, trastes, pulhas? Ah! como acho
bonitos esses nomes! Quero deixar bem nítido e transparente uma coisa que, à
primeira vista, talvez seja tomado por extravagante e absurda. Mas que importa?
Apesar disso não quero deixar de dizê-la, tanto mais quanto é superior a
qualquer outra verdade. O filho-da-puta fecha a retórica e seus males, com a
sua voz exata nunca arrebenta o aneurisma da metáfora.
É
extraordinário, inacreditável como certas pessoas são profundamente
filhas-da-puta. O ser humano traz dentro de si, habita-lhe o íntimo, abriga no
seu seio entre centenas de milhares, incontáveis características, inumeráveis
qualidades, a saber, a poderosa capacidade, a engenhosa astúcia, a egrégia
perspicácia, a incrível versatilidade, a esplendorosa arte, a magnífica
sensibilidade e inteligência, a pegajosa picaretagem, a indescritível
sacanagem, as honradas hipocrisias e farsas, as belíssimas dissimulações e
simulações, o fantástico poder de corrupção, a grande coragem de ser
honrosamente, horrorosamente filho-da-puta. E com isso sentem-se sentados no
Olimpo dos deuses, sentem-se de grande importância, superiores a toda a
humanidade, sem precedentes na história dos seus valores e virtudes. A tradição
é que diz valores e virtudes são os que estão fundamentados no bem, alicerçados
no amor e na solidariedade, no ser e na espiritualidade. Coisa bem reduzida
para a amplitude da natureza e condição humanas. Ser filho-da-puta é também ser
virtuoso. Interessante é que os virtuosos da tradição cometem as suas
contradições, seus deslizes, justificam-se aqui e ali, explicam-se lá e acolá,
têm o domínio da palavra, do discurso, da oratória, servem-se de suas
estratégias, jogos, lábias e diplomacias para encobrirem o que de podre há
dentro deles, enquanto que o filho-da-puta não comete qualquer contradição,
deslize, mantém a sua índole em quaisquer situações e circunstâncias. Poderosa,
engenhosa, egrégia, incrível, esplendorosa, magnífica, pegajosa, indescritível,
grande não são termos que elevam, que dignificam, que valorizam, alfim não são
qualidades? Dizer da capacidade, astúcia, perspicácia, versatilidade, arte,
sensibilidade e inteligência, picaretagem, sacanagem é estar elencando as
características de um filho-da-puta, coisas em verdade que escarnecem,
denigrem, diminuem, inferiorizam, deturpam a imagem de quem quer que seja, mas,
a partir do instante que se coloca os devidos adjetivos antes, o que era estar
escarnecendo e denegrindo a imagem muda de figura, é estar elogiando,
engrandecendo, elevando os valores. Entre ser perspicaz e ser egrégio perspicaz
na filhadaputagem há uma diferença enorme, nada sutil, de uma profundidade
inestimável.
Nasce
o sol, seus raios iluminam todos os cantos e recantos, descreve o seu giro, no
crepúsculo se põe, mas o filho-da-puta fica fazendo sombra sobre a terra. Num
calor de cozinhar os miolos, haveria outra coisa mais agradável que estar na
sombra? Eles fiam e tecem a incansável filhodaputice de gravata, borboleta ou
não, de colarinho branco, de terno, chapéu, bengala, de farda, com suas
patentes e estrelas à vista, de avental, de batina, de botina, de calcinha de
renda ou simples calcinha, o
filho-da-puta mesmo vestido anda nu e obscenamente trajado de cara-de-pau.
De
manhã, boiando no pijama imenso, o filho-da-puta escova os dentes, faz a barba,
penteia os cabelos, passa perfume de fina qualidade, de preferência francês, e
assoa seus sonhos num lenço de seda branco, limpa o amarelo da gema de ovo nas
bordas de sua boca com um guardanapo de papel. Depois, pendurado numa gravata,
o filho-da-puta vai para o seu escritório ou gabinete e assina duplicata,
elabora leis.
Ainda
que esse tributo apresente a sua profundidade, os seus valores inestimáveis,
mostre o quanto sou ad-mirador dos filhos-da-puta, o quanto lhes considero e
reconheço, ainda é bem simples, superficial. Quem dera pudesse eu com categoria
mostrar e identificar sua essência, seu ser em todo o esplendor, o diamante de
suas pulhices e trastices! Se se sentem ainda não valorizados com esse tributo,
peço-lhes as devidas desculpas. Pode ser que noutra oportunidade, diante de
outras situações e circunstâncias, possa aprofundar mais, mostrar-lhes por
inteiro, como se faz quando se descasca um pepino, tira-lhe toda a casca, não
deixando qualquer sombra do verde, deixa-lhe inteiro branquinho. Ficam aqui os
meus sinceros e cordiais cumprimentos, os meus sensíveis parabéns pelo que
são.
Manoel Ferreira.
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