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terça-feira, 24 de novembro de 2015



Seria que ou não seria que,
Não seria que ou seria que
O que intenciono criar,
Inventar, imaginar,
Para alcançar os própositos
E projetos de o verbo
Em sua conjugação plena
De temas e radicais
Penetre, mergulhe,
Profundo,
Nas águas límpidas
Das esperanças,
Da fé,
Abrindo os olhos
Para o preenchimento do vazio.

Não sei dizer
Se essa jornada
Será realizada plenamente
Ou se ainda
Esteja apenas
Tecendo esboço
Simples,
No de-curso e per-curso
Do tempo,
Situações e circunstâncias,
E que outros versos e verbos
Se a-nunciarão,
Seria que ou não seria que,
Não seria que ou seria que
Se re-vele
Como o penso e sinto
Hoje.

Sigo a busca,
Con-templo de minha janela
Aberta,
O crepúsculo que segue o seu
Itinerário,
A noite chegará em breve,
Descansarei da labuta
Na poltrona de sala e estar

Está escrito nalgum lugar do Livro Sagrado, especificar-lhe não se faz qualquer mister, não se trata de um ensaio, embora a sutil aparência disso, desde essas duas linhas de início, chegando a pensar, nos inter-ditos do sarcasmo e da ironia, a minha intenção seja de escrever uma “ODE À VAIDADE POUCO A POUCO”, só uma consideração para preencher o vazio  que se me anunciou logo que abri os olhos esta manhã às dez horas, raios de sol escaldante entrando pela janela, o que é incomum, acordo sempre às seis ou seis meia, desjejuo-me, entrego-me ao trabalho: “Tudo são vaidades na face da terra!” – não sei se ipsis litteris, para quem não esteja familiarizado com a expressão latina, isto significa “ao pé da letra” -,  assim me recordo do que lera há alguns anos, primeira leitura da Bíblia, ouço também as pessoas dizerem com as mesmas palavras, expressões e termos latinos devem ser citados originalmente, mesmo frases de outros autores, entre aspas e sublinhados, quando escritos, assim recomenda o menu acadêmico.  Decidindo tomar da pena para registrar esse sentimento de vazio, outra intenção me não perpassa senão de lhe não deixar ser levado pelo vento ou esvair-se na neblina das montanhas próximas ou distantes, nas tremelices do asfalto em dias de calor infernal. A qualquer tempo do futuro, se me disponho a ler estas linhas, lembrar-me-ei desse sentimento, sentindo-me ou não que o superei, tornei-me outro homem, cresci, amadureci, desenvolvi as idéias, não o fiz, ando nas trilhas da mesmidade, até a respiração id-ent-ificando o estado de tédio e desesperança.  

Seria que ou não seria que,
Não seria que ou seria que
In-corresse em vaidade sem limites,
Inolvidável em todas as perspectivas
Da razão, intelecto, espírito,
Tecer ode à vaidade,
Ainda que pouco a pouco,
Ainda que em linguagem e estilo modernos,
Sem aquilo de composição de estrofes
Simétricas,
Para que os homens a elevem
Aos mais altos píncaros do valor
E virtudes morais e éticos,
Para que o mundo inteiro,
Desde a Cochinchina
Aos mais íngremes buracos de mundo,
Por exemplo, essa cidade,
No seio dessa cultura retrógrada e démodé,
Em que gasto à toa os dias de minha vida,
Embora entupigaitado de projetos e utopias,
Con-sinta-lhe, con-ceda-lhe
Percuciente reconhecimento e consideração?

Seria que ou não seria que
Estabelecesse em hipocrisia,
Ainda que menos a menos,
A vaidade de garatujar
Ode
Às empolações e sarnas
Da supremacia e do poder
Das importâncias e celebridicices
Da inteligência, engenhosidade,
Artimanhas e perspicácias,
Com as “cácias” das “perspi”,
Com as “perspi”
Das “cácias,
Para realizar os interesses,
Ideologias e mazelas
Dos sonhos e utopias
Da integração social
E política?

Dizem isto a plenos pulmões, mas revelam suas vaidades todas nas circunstâncias e situações da vida, sentem-se divinas e poderosas. Se a hipocrisia ec-siste, é para ser vivida, sendo radicais e paradoxais com ela, é o único bem que lhes habita a vida, devem-lhe fazer jus, devem-lhe render não só todas as graças, mas também as des-graças do sensível, dos verbos do corpo e dos ossos, sem incluir a estrutura da medula espinhal, essa só quando as aparências e falsidades estiverem em cena.  Quanto a isso, até deixo aqui inscrito algo que acabo de ouvir, tendo considerado sui generis: “Você está rindo, mas você chora!”
Habita o íntimo dessas pessoas que a amiga fiel e leal da vaidade é a hipocrisia, de mãos dadas seguem as veredas em direção ao apocalipse sodomático; a hipocrisia, noutras estâncias e instâncias, sente-se poderosa, por ter como álibi e cúmplice a vaidade, jamais será vencida, indivíduo envadecido de sua hipocrisia merece medalha de honra ao mérito. Conheço povo que lhe falta receber o título de Patrimônio Histórico da Hipocrisia Cultural e Artística, para acrescentar aos seus outros patrimônios, só imagino que nível de vaidade se lhe revelaria, acredito que o mais alto de todos. Aliás, a hipocrisia se tornou um valor tão grande e enorme, virtude tão absoluta que todas as defesas são pequenas para lhe não garantir o assento na cadeira do Olimpo dos deuses; acredito que se Aristóteles fosse de nosso tempo, não deixaria de incluí-la nos seus tratados, nas suas idéias, ensinando como elevá-la aos auspícios do bem, como preservá-las e conservá-las para a consumação da imortalidade.   
Quem sou para apresentar argumentos reais e persuasivos, sem precisar de me servir de lábias e estratégias, chantagens e oratórias, para demonstrar haver um grande equívoco nessa fala, nem tudo são vaidades, há o que não seja, há outras que são, a grande maioria delas está em demasia exagerada, dentre elas, ser o que não se é, estufar o peito e empinar a cabeça, corpo esbelto e elegante às custas de espartilho?
O que está escrito no Livro Sagrado é a “Verdade” divina, eterna e imortal até a consumação dos tempos, a única que ec-siste na face da terra. Aproveitando esse ensejo, diria: “Tudo são verdades na face da terra”, dentre elas, a hipocrisia, a farsa, a aparência, a falsidade, por a categoria filosófica estar escrita em letras minúsculas, entende-se de imediato que são efêmeras. Essas não são mesmo, acompanham o indivíduo desde o instante que abre os olhos no mundo, cresce, amadurece, torna-se celebridade ou simplesmente personalidade, até o instante que os fecham para sempre, nada mais resta para contar a história, apesar das obras, embora as probidades ou canalhices todas. Agora, eu diria, sem quaisquer medos ou hesitações de estar equivocado: “Tudo são sonhos na face da terra”, porque são eles que impulsionam a vida a continuar trilhando o seu itinerário em busca da Verdade divina, em busca de os verbos se tornarem carne ou intransitivos, e então a felicidade e alegria eternas sejam manifestas nos homens, habitem-lhes o mais íntimo de seu ser.
Amigo dissera certa vez que sonhar é muito bom, gratificante, divino, usando outros termos pomposos para expressarem suas idéias e sentimentos, mas realizar os sonhos é muito mais que isso, o que concordei em gênero, estirpes e laias. Dissera-o porque sentiu no fundo de si o que é isso sentir que a vida está construída para ele, cabe-lhe desfrutar os feitos, mas nunca descansando, ainda há muito a ser criado e construído. Não me dissera o que ainda falta para ser criado e construído, acredito que a esperança de alguém, em alto nível de crise passional, mística e mítica, homenagear-lhe com uma ode ao espírito da luta e persistência.  
Pensando de modo e estilo verdadeiros, colocando a verdade minha sobre a mesa, como as cartas que trago em mãos, de por baixo do punho da camisa de manga comprida, para tentar vencer a partida, existe a vontade, mas o pôquer é realmente traidor, com  todas as suas nuanças e imagens, nada tenho contra a vaidade, não penso ser ela perniciosa, o homem que deseja revelar a sua dignidade e honra deve manter-se à distância dela, refutá-la mesmo. Sonhos e vaidades são sementes que devidamente regadas no quotidiano das labutas serão frutas deliciosas de se lhes degustar, conhecer-lhes o sabor indescritível. Verdade é que sem os sonhos a vida humana não teria o menor sentido. Que gosto teria viver por viver, seria apenas para caminhar em direção à morte e desaparecer do mundo, sem qualquer desejo no íntimo do espírito de algum dia re-tornar, se é que a reencarnação ec-sista em verdade? Não digo que não, não digo que sim, não fico em cima do muro, esperando a resposta real para depois de minha vida. O que me interessa de verdade é esta ec-sistência, fazer alguma coisa para não ficar observando as estrelas caírem durante a noite, os raios de sol iluminarem os dias, as chuvas regarem o solo, ser ele origem de outros “manjares” para a sobrevivência, vivendo de um passado que outros construíram com sangue e muito suor, desfrutando, deliciando-se, gozando e extasiando desse tempo pretérito, nem precisando de colocar as mãos na massa, o passado garante o pão sobre a mesa, garante a lembrança de todos para sempre, até mesmo um instante efêmero à soleira da eternidade. O passado é apenas semente para outras buscas, outros horizontes e uni-versos. Se assim não é visto o passado, e sim como objeto de vaidades e orgulhos, nada mais resta senão a alienação nua e crua, a tapadice absoluta e consumada. 
Se se passa numa rua pela primeva vez, de imediato se a-nuncia a curiosidade de conhecer todas as coisas que há nela, às vezes nos seus mínimos detalhes, se os olhos são de lince, se se trata de sensibilidade detalhista. Outras vezes que se passa nela ainda há a continuidade das observações, na tentativa de se ver o que não fora dantes visto. Ao longo do tempo, não mais se percebe coisa alguma, não se tem mais qualquer interesse, e mesmo que haja alguma mudança não é vista. O mesmo acontece quando o espírito se aliena, o que for dito de crítica aos hábitos, costumes, às fixações, é tido e havido como acinte, deboche, falta de respeito aos princípios que foram sendo armazenados com acuidade extremada, as insatisfações se revelam, ódios e raivas do crítico se mostram a olhos nus. Quem está errado é quem percebe o que de errado está; quando o passado se transforma em orgulhos e vaidades di-versas, a história se torna prático-inerte. Vivem todos no fundo do abismo e nem sabem que há metros de distância existentes entre o céu e terra, entre o inferno e o paraíso celestial, ec-siste a superfície ou a planura do solo e dos instintos humanos.      
Se a cada passo dado, vou somando os verbos que tornei carne, os sonhos que tornei reais, sentindo a presença da vida em mim, agradecendo aos céus as realizações, não me esquecendo da inteligência comungada aos desejos e vontades, a sensibilidade aderida aos dons e talentos, a razão unida às idéias e projetos, o que me impediria de me sentir vaidoso, trazer a vaidade nas mãos feitas concha? Sou merecedor dela, não me fora fácil, custou-me muita luta, custou-me persistência, custou-me insistência, custou-me esperança, custou-me fé, custou-me sentir a carne cobrindo-me os ossos, sentir o “ser” trinando seu canto no íntimo de mim, qual um passarinho verde ou amarelo, sentir-me sendo, ouvindo o ser em mim.

Instante efêmero
À soleira da eternidade,
Re-flete no espelho
De superfície lisa ou convexa,
Adulterando o que se me a-nuncia,
De superfície convexa ou côncava,
A sensibilidade aderida
Às vaidades da hipocrisia,
Às hipocrisias da vaidade,
Até mesmo das mazelas
Das querências e interesses
Espúrios, viperinos,
Trinando o canto íntimo,
O cântico do pó
Das temáticas metafísicas,
Das poeiras das canções
Con-tingentes,
Das emáticas do pó,
Do pó das iésis,
Das iésis do pó,
Quando a ode se trans-forma
Em epitáfio ou elegia,
Trazendo a vaidade
Das hipocrisias da alma
E dos desejos
Na algibeira
Dos verbos vulgares e ridículos
Do argumento vestido de lilás,
Do Ipsis Litteris
De consciência
Que re-flete o mergulho mais fundo
Nas estâncias e instâncias
Do amar, verbo sonhar,
Desejar,
Construir a Utopia
Cristã
Do AMAR E SER FELIZ.

 Há alguma coisa mais prazerosa nessa vida que a consciência de que me estou construindo no mundo com os meus esforços e lutas, iludido, enganado, cheio de quimeras e fantasias, e isso legando-me o direito de estar vaidoso frente à imagem que se reflete no espelho do mundo?  Ser vaidoso aos olhos dos homens, para mim, não mostra outra coisa senão que estou precisando urgentemente de ser reconhecido, considerado, as minhas carências todas não foram suprassumidas, servindo-me de uma categoria hegeliana, e superadas, servindo-me das ações e atitudes cotidianas no percurso dos desejos e vontades, que são como a vida é feita e estabelecida. A consciência de a vaidade ser real, nada havendo que lhe possa contestar, é uma felicidade indescritível, e felizmente posso dizer que a vivencio, e a cada passo dado o que há é um desejo enorme de transcendê-la, mergulhar-me mais fundo em tudo que se diz vida. Disse-o em outras instâncias, mas é sempre aconselhável a recorrência para enfatizar a coisa, seja mais compreendida e entendida nas suas entrelinhas: ao longo das veredas que trilhei, aprendi a amar a vida, a amar viver, os verbos intransitivos e mesmo os defectivos, embora a consciência de que em mim habita um desejo de autodestruição, faz isso parte de minhas dialéticas e contradições; sou homem de uma força espiritual indescritível, que só conheci ao longo de todas as dificuldades e obstáculos que encontrei nos caminhos trilhados, nos sofrimentos e dores que fui armazenando em mim, mas também sou em demasia frágil. Conhecer isso fora a solução, fora a salvação de não sucumbir plenamente, não mais encontrar quaisquer saídas. Aprendi que as minhas verdades devem ser conhecidas a critério e rigor, tornando-as públicas e notórias, doa a quem doer, custe o que custar.  
Se ninguém ainda parou para pensar, depois de haver lido ou passado os olhos em minhas letras, não há coisa que mais amo nessa vida senão amar os amigos, os íntimos, as letras, os leitores, amo a vida porque a minha vida são eles. Disseram que o homem se torna homem mesmo, quando está dis-posto a morrer por aquilo em que acredita, também penso deste modo, mas acrescentaria que o ser verdadeiro do homem se revela quando ele descobre o amor em sua vida.     
Aliás, esqueceu-me pensar não é necessário ser inteligente, sensível para perceber com percuciência que o homem traz nas algibeiras de sua ec-sistência a vaidade, pois que, dentre todas as criaturas de Deus, é o único ser em cujas intimidades habitam a razão, a inteligência, o espírito, em última instância, dimensões que lhe permitem buscar a realização de seus verbos mais desejados. A vaidade extremada devido a estes privilégios, privilégios da razão, inteligência, espírito é que, com efeito, leva o homem a sucumbir-se em tudo que faz, pois com essa vaidade esquece o sentido das três dimensões, razão, inteligência, espírito, atola-se deliberadamente na alma nua e crua, não encontrando saídas e soluções para todos os problemas que se a-nunciam no per-curso da vida.
Conheço um homem de quarenta e poucos anos que conhece perfeitamente o alemão, diz ele a plenos pulmões que até mais que os próprios nativos da língua,  dá as suas rasteiras no grego, no latim. Alguém seria capaz de adivinhar com que se preocupa esse sábio do alemão, há uns vinte e cinco anos? Tendo abandonado os estudos do alemão, do grego, do latim, dedica-se exclusivamente à gramática da Língua Portuguesa, pondo o cérebro num tormento contínuo. Só ama a vida para ter tempo de dirimir algumas dificuldades dessa importante arte, e morreria satisfeito se descobrisse um método seguro de distinguir bem as oito partes do discurso, coisa que, a seu ver, não conseguiram com perfeição nem os gregos nem os latinos. Bem, o caríssimo leitor veja que é uma questão de suma importância para o gênero humano. Com efeito, não é mesmo uma miséria estar sempre correndo o risco de tomar uma conjunção por advérbio, pleonasmo vicioso por metáfora de origem in-versa e re-versa de sentido, trocar o sentido de um ditado popular pelo sentido de uma sabedoria bíblica, de uma fábula bíblica? Tais equívocos mereceriam guerras cruentas. Publica ele seus comentários em folhas de tablóides, com toda a proteção do editor, e com essa proteção vai o editor-chefe se tornando famoso, de pleno sucesso, imaginando que está sendo um dos homens mais importantes da comunidade, o tablóide exerce divinamente os princípios do jornalismo e da comunicação, responsabilidade e senso de transformação social, política, econômica, ganhando dinheiro e prestígio diante de todas as estirpes e laias, sentindo-se o gramático vaidoso e orgulhoso de estar contribuindo para as pessoas aprenderem a falar seu próprio idioma, a terem uma identidade lingüística. Se falar corretamente o idioma próprio garantisse a segurança e todas as alegrias e felicidades do mundo, por que o eminentíssimo gramático ainda revela as suas carências e falta do ser? 
Outra espécie de pessoas mais ou menos da mesma laia é constituída pelos que ambicionam uma fama imortal publicando livros. Diz a sabedoria popular que para ser homem verdadeiro fazem-se misteres plantar uma árvore, ter um filho, escrever livro. Pode o que vou dizer servir de mofa e escárnio, todos os olhinhos de pulga amestrada olharem para mim de banda, isto devido à vaidade e orgulho que pululam em mim dentro, mas esses escritores têm parentesco comigo, sobretudo os que só publicam coisas insípidas. Quanto aos que só escrevem para poucos, isto é, para pessoas de fino gosto e perspicazes, que não recusam o juízo de Machado de Assis, confesso que merecem mais compaixão do que inveja. Mergulhados numa contínua meditação, pensam, tornam a pensar, acrescentam, emendam, cortam, tornam a pôr, burilam, refundem, fazem, riscam, consultam, e, nessa labuta ilimitada levam às vezes semanas para escreverem um texto de duas páginas e meia  - dizem que nesta categoria está um dos meus ícones da Literatura Brasileira, Graciliano Ramos, dizem alguns que o perigo de tudo isso estava na sua faca se tornar cega, dizem outros que a faca dele estava sempre cega de tanto cortar -, antes de ser impresso numa folha de tablóide, e quando se trata de um romance para ser publicado por uma editora levam nove, dez anos. Oh! como me causam piedade tais escritores! Nunca estando satisfeitos com o seu trabalho, que recompensa podem esperar? Ai de mim! Um pouco de incenso, um reduzido número de leitores, um louvor incerto.
Por que, meu Deus, todas as vezes que leio em Memórias Póstumas de Brás Cubas, o pequeníssimo número de pessoas que seguiram o féretro de Brás Cubas, sempre penso nos escritores? Não acredito seja essa a razão, nenhuma recompensa se pode esperar nessa árdua carreira artística das letras, nem mesmo que umas vinte pessoas sigam o féretro até à sepultura. A razão é que tenho ciência de que o número de acompanhantes será ainda menor do que foi com o eterno e imortal Brás Cubas.
Na juventude, aquando ainda estava garatujando palavras nas folhas de papel, num quarto de pensão, num botequim qualquer da capital, dentro em mim o desejo de algum dia tornarem-se verdades minhas, serem verbos de meus sonhos, serem carne de minhas utopias todas, conheci alguém que, antes de se sentar na cadeira para começar a escrever, acendia um incenso, postava a mão direita ao céu, pedindo a Deus inspiração e iluminação nas letras, recitava duas orações, persignava-se, era tempo de colocar a mão na massa. Não me é dado saber se conseguiu sem-número de leitores, se o seu louvor fora certo, hoje desfruta de glórias reais e insofismáveis. Só conheço dois livros de sua autoria publicados há vinte e três, trinta e dois anos atrás. Afastamo-nos, não mais tive qualquer mínima notícia de sua vida.
Que sentido tem isso de escrever para adquirir, obter leitores, desfrutar fama e sucesso, imortalizar-se à luz da consideração e reconhecimento da humanidade inteira, elogios e proteções da mídia, os paparazzi extasiados em busca de prestígios e valores ainda mais concretos? Não vejo quaisquer sentidos nisso. Escrever é fazer vida, é construir sentimentos e emoções, é desejar aos homens e à humanidade outros horizontes de felicidade e prazer, verdadeiros, obviamente, escrever é entregar-se ao sonho de ser útil aos desejos e vontades de a vida ser.    
Compensarão essas tênues bagatelas o sacrifício do sono, mais doce do que tudo, da tranqüilidade, dos prazeres, numa palavra de fácil compreensão, de sereno entendimento, de todas as doçuras da vida? Faz-se mister, antes de tudo, acima de nada, acrescentar ainda que esses sonhadores que andam em busca de imortalidade arruínam a saúde, tornam-se pálidos, magros, remelentos e, às vezes, até cegos. São sempre miseráveis, invejados, não têm prazer algum e, como resultado, só conseguem apressar a velhice e a própria morte. Malgrado tudo isso, o nosso sábio considera suficiente, como remédio a tantos males, a aprovação de um ou dois remelentos da sua espécie.
E quem escreve sob os meus auspícios? Não conhecendo a meditação, nem a tortura do cérebro, nem as vigílias, escreve tudo o que sonha, tudo o que lhe vem na teia. Tudo lhe parece surpreendente e divino. A pena mal pode acompanhar a velocidade da imaginação e dos pensamentos. Não dependendo mais do que um pouco de papel, escreve um mundo de despautérios e de impertinências convencido de que, publicando asnices, granjeara mais facilmente os aplausos da maioria, isto é, de todos os tolos e ignorantes. 


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