Seria que ou não seria que,
Não seria que ou seria que
O que intenciono criar,
Inventar, imaginar,
Para alcançar os própositos
E projetos de o verbo
Em sua conjugação plena
De temas e radicais
Penetre, mergulhe,
Profundo,
Nas águas límpidas
Das esperanças,
Da fé,
Abrindo os olhos
Para o preenchimento do vazio.
Não sei dizer
Se essa jornada
Será realizada plenamente
Ou se ainda
Esteja apenas
Tecendo esboço
Simples,
No de-curso e per-curso
Do tempo,
Situações e circunstâncias,
E que outros versos e verbos
Se a-nunciarão,
Seria que ou não seria que,
Não seria que ou seria que
Se re-vele
Como o penso e sinto
Hoje.
Sigo a busca,
Con-templo de minha janela
Aberta,
O crepúsculo que segue o seu
Itinerário,
A noite chegará em breve,
Descansarei da labuta
Na poltrona de sala e estar
Está escrito nalgum lugar do Livro Sagrado,
especificar-lhe não se faz qualquer mister, não se trata de um ensaio, embora a
sutil aparência disso, desde essas duas linhas de início, chegando a pensar,
nos inter-ditos do sarcasmo e da ironia, a minha intenção seja de escrever uma “ODE
À VAIDADE POUCO A POUCO”, só uma consideração para preencher o vazio que se me anunciou logo que abri os olhos
esta manhã às dez horas, raios de sol escaldante entrando pela janela, o que é
incomum, acordo sempre às seis ou seis meia, desjejuo-me, entrego-me ao
trabalho: “Tudo são vaidades na face da terra!” – não sei se ipsis litteris,
para quem não esteja familiarizado com a expressão latina, isto significa “ao
pé da letra” -, assim me recordo do que
lera há alguns anos, primeira leitura da Bíblia, ouço também as pessoas dizerem
com as mesmas palavras, expressões e termos latinos devem ser citados
originalmente, mesmo frases de outros autores, entre aspas e sublinhados,
quando escritos, assim recomenda o menu acadêmico. Decidindo tomar da pena para registrar esse
sentimento de vazio, outra intenção me não perpassa senão de lhe não deixar ser
levado pelo vento ou esvair-se na neblina das montanhas próximas ou distantes,
nas tremelices do asfalto em dias de calor infernal. A qualquer tempo do
futuro, se me disponho a ler estas linhas, lembrar-me-ei desse sentimento,
sentindo-me ou não que o superei, tornei-me outro homem, cresci, amadureci,
desenvolvi as idéias, não o fiz, ando nas trilhas da mesmidade, até a
respiração id-ent-ificando o estado de tédio e desesperança.
Seria que ou não seria que,
Não seria que ou seria que
In-corresse em vaidade sem limites,
Inolvidável em todas as perspectivas
Da razão, intelecto, espírito,
Tecer ode à vaidade,
Ainda que pouco a pouco,
Ainda que em linguagem e estilo modernos,
Sem aquilo de composição de estrofes
Simétricas,
Para que os homens a elevem
Aos mais altos píncaros do valor
E virtudes morais e éticos,
Para que o mundo inteiro,
Desde a Cochinchina
Aos mais íngremes buracos de mundo,
Por exemplo, essa cidade,
No seio dessa cultura retrógrada e démodé,
Em que gasto à toa os dias de minha vida,
Embora entupigaitado de projetos e utopias,
Con-sinta-lhe, con-ceda-lhe
Percuciente reconhecimento e consideração?
Seria que ou não seria que
Estabelecesse em hipocrisia,
Ainda que menos a menos,
A vaidade de garatujar
Ode
Às empolações e sarnas
Da supremacia e do poder
Das importâncias e celebridicices
Da inteligência, engenhosidade,
Artimanhas e perspicácias,
Com as “cácias” das “perspi”,
Com as “perspi”
Das “cácias,
Para realizar os interesses,
Ideologias e mazelas
Dos sonhos e utopias
Da integração social
E política?
Dizem isto a plenos pulmões, mas revelam suas
vaidades todas nas circunstâncias e situações da vida, sentem-se divinas e
poderosas. Se a hipocrisia ec-siste, é para ser vivida, sendo radicais e
paradoxais com ela, é o único bem que lhes habita a vida, devem-lhe fazer jus,
devem-lhe render não só todas as graças, mas também as des-graças do sensível,
dos verbos do corpo e dos ossos, sem incluir a estrutura da medula espinhal,
essa só quando as aparências e falsidades estiverem em cena. Quanto a isso, até deixo aqui inscrito algo
que acabo de ouvir, tendo considerado sui
generis:
“Você está rindo, mas você chora!”
Habita o íntimo dessas pessoas que a amiga fiel e
leal da vaidade é a hipocrisia, de mãos dadas seguem as veredas em direção ao
apocalipse sodomático; a hipocrisia, noutras estâncias e instâncias, sente-se
poderosa, por ter como álibi e cúmplice a vaidade, jamais será vencida,
indivíduo envadecido de sua hipocrisia merece medalha de honra ao mérito.
Conheço povo que lhe falta receber o título de Patrimônio Histórico da
Hipocrisia Cultural e Artística, para acrescentar aos seus outros patrimônios,
só imagino que nível de vaidade se lhe revelaria, acredito que o mais alto de
todos. Aliás, a hipocrisia se tornou um valor tão grande e enorme, virtude tão
absoluta que todas as defesas são pequenas para lhe não garantir o assento na
cadeira do Olimpo dos deuses; acredito que se Aristóteles fosse de nosso tempo,
não deixaria de incluí-la nos seus tratados, nas suas idéias, ensinando como
elevá-la aos auspícios do bem, como preservá-las e conservá-las para a
consumação da imortalidade.
Quem sou para apresentar argumentos reais e
persuasivos, sem precisar de me servir de lábias e estratégias, chantagens e
oratórias, para demonstrar haver um grande equívoco nessa fala, nem tudo são
vaidades, há o que não seja, há outras que são, a grande maioria delas está em
demasia exagerada, dentre elas, ser o que não se é, estufar o peito e empinar a
cabeça, corpo esbelto e elegante às custas de espartilho?
O que está escrito no Livro Sagrado é a “Verdade”
divina, eterna e imortal até a consumação dos tempos, a única que ec-siste na
face da terra. Aproveitando esse ensejo, diria: “Tudo são verdades na face da
terra”, dentre elas, a hipocrisia, a farsa, a aparência, a falsidade, por a
categoria filosófica estar escrita em letras minúsculas, entende-se de imediato
que são efêmeras. Essas não são mesmo, acompanham o indivíduo desde o instante
que abre os olhos no mundo, cresce, amadurece, torna-se celebridade ou
simplesmente personalidade, até o instante que os fecham para sempre, nada mais
resta para contar a história, apesar das obras, embora as probidades ou
canalhices todas. Agora, eu diria, sem quaisquer medos ou hesitações de estar
equivocado: “Tudo são sonhos na face da terra”, porque são eles que impulsionam
a vida a continuar trilhando o seu itinerário em busca da Verdade divina, em
busca de os verbos se tornarem carne ou intransitivos, e então a felicidade e
alegria eternas sejam manifestas nos homens, habitem-lhes o mais íntimo de seu
ser.
Amigo dissera certa vez que sonhar é muito bom,
gratificante, divino, usando outros termos pomposos para expressarem suas
idéias e sentimentos, mas realizar os sonhos é muito mais que isso, o que
concordei em gênero, estirpes e laias. Dissera-o porque sentiu no fundo de si o
que é isso sentir que a vida está construída para ele, cabe-lhe desfrutar os
feitos, mas nunca descansando, ainda há muito a ser criado e construído. Não me
dissera o que ainda falta para ser criado e construído, acredito que a
esperança de alguém, em alto nível de crise passional, mística e mítica,
homenagear-lhe com uma ode ao espírito da luta e persistência.
Pensando de modo e estilo verdadeiros, colocando a
verdade minha sobre a mesa, como as cartas que trago em mãos, de por baixo do
punho da camisa de manga comprida, para tentar vencer a partida, existe a
vontade, mas o pôquer é realmente traidor, com
todas as suas nuanças e imagens, nada tenho contra a vaidade, não penso
ser ela perniciosa, o homem que deseja revelar a sua dignidade e honra deve
manter-se à distância dela, refutá-la mesmo. Sonhos e vaidades são sementes que
devidamente regadas no quotidiano das labutas serão frutas deliciosas de se
lhes degustar, conhecer-lhes o sabor indescritível. Verdade é que sem os sonhos
a vida humana não teria o menor sentido. Que gosto teria viver por viver, seria
apenas para caminhar em direção à morte e desaparecer do mundo, sem qualquer
desejo no íntimo do espírito de algum dia re-tornar, se é que a reencarnação
ec-sista em verdade? Não digo que não, não digo que sim, não fico em cima do
muro, esperando a resposta real para depois de minha vida. O que me interessa
de verdade é esta ec-sistência, fazer alguma coisa para não ficar observando as
estrelas caírem durante a noite, os raios de sol iluminarem os dias, as chuvas
regarem o solo, ser ele origem de outros “manjares” para a sobrevivência,
vivendo de um passado que outros construíram com sangue e muito suor,
desfrutando, deliciando-se, gozando e extasiando desse tempo pretérito, nem
precisando de colocar as mãos na massa, o passado garante o pão sobre a mesa,
garante a lembrança de todos para sempre, até mesmo um instante efêmero à
soleira da eternidade. O passado é apenas semente para outras buscas, outros
horizontes e uni-versos. Se assim não é visto o passado, e sim como objeto de
vaidades e orgulhos, nada mais resta senão a alienação nua e crua, a tapadice
absoluta e consumada.
Se se passa numa rua pela primeva vez, de imediato
se a-nuncia a curiosidade de conhecer todas as coisas que há nela, às vezes nos
seus mínimos detalhes, se os olhos são de lince, se se trata de sensibilidade
detalhista. Outras vezes que se passa nela ainda há a continuidade das
observações, na tentativa de se ver o que não fora dantes visto. Ao longo do
tempo, não mais se percebe coisa alguma, não se tem mais qualquer interesse, e
mesmo que haja alguma mudança não é vista. O mesmo acontece quando o espírito
se aliena, o que for dito de crítica aos hábitos, costumes, às fixações, é tido
e havido como acinte, deboche, falta de respeito aos princípios que foram sendo
armazenados com acuidade extremada, as insatisfações se revelam, ódios e raivas
do crítico se mostram a olhos nus. Quem está errado é quem percebe o que de
errado está; quando o passado se transforma em orgulhos e vaidades di-versas, a
história se torna prático-inerte. Vivem todos no fundo do abismo e nem sabem
que há metros de distância existentes entre o céu e terra, entre o inferno e o
paraíso celestial, ec-siste a superfície ou a planura do solo e dos instintos
humanos.
Se a cada passo dado, vou somando os verbos que
tornei carne, os sonhos que tornei reais, sentindo a presença da vida em mim,
agradecendo aos céus as realizações, não me esquecendo da inteligência
comungada aos desejos e vontades, a sensibilidade aderida aos dons e talentos,
a razão unida às idéias e projetos, o que me impediria de me sentir vaidoso,
trazer a vaidade nas mãos feitas concha? Sou merecedor dela, não me fora fácil,
custou-me muita luta, custou-me persistência, custou-me insistência, custou-me
esperança, custou-me fé, custou-me sentir a carne cobrindo-me os ossos, sentir
o “ser” trinando seu canto no íntimo de mim, qual um passarinho verde ou
amarelo, sentir-me sendo, ouvindo o ser em mim.
Instante efêmero
À soleira da eternidade,
Re-flete no espelho
De superfície lisa ou convexa,
Adulterando o que se me a-nuncia,
De superfície convexa ou côncava,
A sensibilidade aderida
Às vaidades da hipocrisia,
Às hipocrisias da vaidade,
Até mesmo das mazelas
Das querências e interesses
Espúrios, viperinos,
Trinando o canto íntimo,
O cântico do pó
Das temáticas metafísicas,
Das poeiras das canções
Con-tingentes,
Das emáticas do pó,
Do pó das iésis,
Das iésis do pó,
Quando a ode se trans-forma
Em epitáfio ou elegia,
Trazendo a vaidade
Das hipocrisias da alma
E dos desejos
Na algibeira
Dos verbos vulgares e ridículos
Do argumento vestido de lilás,
Do Ipsis Litteris
De consciência
Que re-flete o mergulho mais fundo
Nas estâncias e instâncias
Do amar, verbo sonhar,
Desejar,
Construir a Utopia
Cristã
Do AMAR E SER FELIZ.
Há alguma
coisa mais prazerosa nessa vida que a consciência de que me estou construindo
no mundo com os meus esforços e lutas, iludido, enganado, cheio de quimeras e
fantasias, e isso legando-me o direito de estar vaidoso frente à imagem que se
reflete no espelho do mundo? Ser vaidoso
aos olhos dos homens, para mim, não mostra outra coisa senão que estou
precisando urgentemente de ser reconhecido, considerado, as minhas carências
todas não foram suprassumidas, servindo-me de uma categoria hegeliana, e
superadas, servindo-me das ações e atitudes cotidianas no percurso dos desejos
e vontades, que são como a vida é feita e estabelecida. A consciência de a
vaidade ser real, nada havendo que lhe possa contestar, é uma felicidade
indescritível, e felizmente posso dizer que a vivencio, e a cada passo dado o que
há é um desejo enorme de transcendê-la, mergulhar-me mais fundo em tudo que se
diz vida. Disse-o em outras instâncias, mas é sempre aconselhável a recorrência
para enfatizar a coisa, seja mais compreendida e entendida nas suas
entrelinhas: ao longo das veredas que trilhei, aprendi a amar a vida, a amar
viver, os verbos intransitivos e mesmo os defectivos, embora a consciência de
que em mim habita um desejo de autodestruição, faz isso parte de minhas
dialéticas e contradições; sou homem de uma força espiritual indescritível, que
só conheci ao longo de todas as dificuldades e obstáculos que encontrei nos
caminhos trilhados, nos sofrimentos e dores que fui armazenando em mim, mas
também sou em demasia frágil. Conhecer isso fora a solução, fora a salvação de não
sucumbir plenamente, não mais encontrar quaisquer saídas. Aprendi que as minhas
verdades devem ser conhecidas a critério e rigor, tornando-as públicas e
notórias, doa a quem doer, custe o que custar.
Se ninguém ainda parou para pensar, depois de
haver lido ou passado os olhos em minhas letras, não há coisa que mais amo
nessa vida senão amar os amigos, os íntimos, as letras, os leitores, amo a vida
porque a minha vida são eles. Disseram que o homem se torna homem mesmo, quando
está dis-posto a morrer por aquilo em que acredita, também penso deste modo,
mas acrescentaria que o ser verdadeiro do homem se revela quando ele descobre o
amor em sua vida.
Aliás, esqueceu-me pensar não é necessário ser
inteligente, sensível para perceber com percuciência que o homem traz nas
algibeiras de sua ec-sistência a vaidade, pois que, dentre todas as criaturas
de Deus, é o único ser em cujas intimidades habitam a razão, a inteligência, o
espírito, em última instância, dimensões que lhe permitem buscar a realização
de seus verbos mais desejados. A vaidade extremada devido a estes privilégios,
privilégios da razão, inteligência, espírito é que, com efeito, leva o homem a
sucumbir-se em tudo que faz, pois com essa vaidade esquece o sentido das três
dimensões, razão, inteligência, espírito, atola-se deliberadamente na alma nua
e crua, não encontrando saídas e soluções para todos os problemas que se
a-nunciam no per-curso da vida.
Conheço um homem de quarenta e poucos anos que
conhece perfeitamente o alemão, diz ele a plenos pulmões que até mais que os
próprios nativos da língua, dá as suas
rasteiras no grego, no latim. Alguém seria capaz de adivinhar com que se
preocupa esse sábio do alemão, há uns vinte e cinco anos? Tendo abandonado os
estudos do alemão, do grego, do latim, dedica-se exclusivamente à gramática da
Língua Portuguesa, pondo o cérebro num tormento contínuo. Só ama a vida para
ter tempo de dirimir algumas dificuldades dessa importante arte, e morreria
satisfeito se descobrisse um método seguro de distinguir bem as oito partes do
discurso, coisa que, a seu ver, não conseguiram com perfeição nem os gregos nem
os latinos. Bem, o caríssimo leitor veja que é uma questão de suma importância
para o gênero humano. Com efeito, não é mesmo uma miséria estar sempre correndo
o risco de tomar uma conjunção por advérbio, pleonasmo vicioso por metáfora de
origem in-versa e re-versa de sentido, trocar o sentido de um ditado popular
pelo sentido de uma sabedoria bíblica, de uma fábula bíblica? Tais equívocos
mereceriam guerras cruentas. Publica ele seus comentários em folhas de
tablóides, com toda a proteção do editor, e com essa proteção vai o
editor-chefe se tornando famoso, de pleno sucesso, imaginando que está sendo um
dos homens mais importantes da comunidade, o tablóide exerce divinamente os
princípios do jornalismo e da comunicação, responsabilidade e senso de
transformação social, política, econômica, ganhando dinheiro e prestígio diante
de todas as estirpes e laias, sentindo-se o gramático vaidoso e orgulhoso de
estar contribuindo para as pessoas aprenderem a falar seu próprio idioma, a
terem uma identidade lingüística. Se falar corretamente o idioma próprio
garantisse a segurança e todas as alegrias e felicidades do mundo, por que o
eminentíssimo gramático ainda revela as suas carências e falta do ser?
Outra espécie de pessoas mais ou menos da mesma
laia é constituída pelos que ambicionam uma fama imortal publicando livros. Diz
a sabedoria popular que para ser homem verdadeiro fazem-se misteres plantar uma
árvore, ter um filho, escrever livro. Pode o que vou dizer servir de mofa e
escárnio, todos os olhinhos de pulga amestrada olharem para mim de banda, isto
devido à vaidade e orgulho que pululam em mim dentro, mas esses escritores têm
parentesco comigo, sobretudo os que só publicam coisas insípidas. Quanto aos
que só escrevem para poucos, isto é, para pessoas de fino gosto e perspicazes,
que não recusam o juízo de Machado de Assis, confesso que merecem mais
compaixão do que inveja. Mergulhados numa contínua meditação, pensam, tornam a
pensar, acrescentam, emendam, cortam, tornam a pôr, burilam, refundem, fazem,
riscam, consultam, e, nessa labuta ilimitada levam às vezes semanas para
escreverem um texto de duas páginas e meia
- dizem que nesta categoria está um dos meus ícones da Literatura
Brasileira, Graciliano Ramos, dizem alguns que o perigo de tudo isso estava na
sua faca se tornar cega, dizem outros que a faca dele estava sempre cega de
tanto cortar -, antes de ser impresso numa folha de tablóide, e quando se trata
de um romance para ser publicado por uma editora levam nove, dez anos. Oh! como
me causam piedade tais escritores! Nunca estando satisfeitos com o seu trabalho,
que recompensa podem esperar? Ai de mim! Um pouco de incenso, um reduzido
número de leitores, um louvor incerto.
Por que, meu Deus, todas as vezes que leio em
Memórias Póstumas de Brás Cubas, o pequeníssimo número de pessoas que seguiram
o féretro de Brás Cubas, sempre penso nos escritores? Não acredito seja essa a
razão, nenhuma recompensa se pode esperar nessa árdua carreira artística das
letras, nem mesmo que umas vinte pessoas sigam o féretro até à sepultura. A
razão é que tenho ciência de que o número de acompanhantes será ainda menor do
que foi com o eterno e imortal Brás Cubas.
Na juventude, aquando ainda estava garatujando
palavras nas folhas de papel, num quarto de pensão, num botequim qualquer da
capital, dentro em mim o desejo de algum dia tornarem-se verdades minhas, serem
verbos de meus sonhos, serem carne de minhas utopias todas, conheci alguém que,
antes de se sentar na cadeira para começar a escrever, acendia um incenso,
postava a mão direita ao céu, pedindo a Deus inspiração e iluminação nas
letras, recitava duas orações, persignava-se, era tempo de colocar a mão na
massa. Não me é dado saber se conseguiu sem-número de leitores, se o seu louvor
fora certo, hoje desfruta de glórias reais e insofismáveis. Só conheço dois
livros de sua autoria publicados há vinte e três, trinta e dois anos atrás.
Afastamo-nos, não mais tive qualquer mínima notícia de sua vida.
Que sentido tem isso de escrever para adquirir,
obter leitores, desfrutar fama e sucesso, imortalizar-se à luz da consideração
e reconhecimento da humanidade inteira, elogios e proteções da mídia, os paparazzi
extasiados em busca de prestígios e valores ainda mais concretos? Não vejo
quaisquer sentidos nisso. Escrever é fazer vida, é construir sentimentos e
emoções, é desejar aos homens e à humanidade outros horizontes de felicidade e
prazer, verdadeiros, obviamente, escrever é entregar-se ao sonho de ser útil
aos desejos e vontades de a vida ser.
Compensarão essas tênues bagatelas o sacrifício do
sono, mais doce do que tudo, da tranqüilidade, dos prazeres, numa palavra de
fácil compreensão, de sereno entendimento, de todas as doçuras da vida? Faz-se
mister, antes de tudo, acima de nada, acrescentar ainda que esses sonhadores
que andam em busca de imortalidade arruínam a saúde, tornam-se pálidos, magros,
remelentos e, às vezes, até cegos. São sempre miseráveis, invejados, não têm
prazer algum e, como resultado, só conseguem apressar a velhice e a própria
morte. Malgrado tudo isso, o nosso sábio considera suficiente, como remédio a tantos
males, a aprovação de um ou dois remelentos da sua espécie.
E quem escreve sob os meus auspícios? Não
conhecendo a meditação, nem a tortura do cérebro, nem as vigílias, escreve tudo
o que sonha, tudo o que lhe vem na teia. Tudo lhe parece surpreendente e
divino. A pena mal pode acompanhar a velocidade da imaginação e dos
pensamentos. Não dependendo mais do que um pouco de papel, escreve um mundo de
despautérios e de impertinências convencido de que, publicando asnices,
granjeara mais facilmente os aplausos da maioria, isto é, de todos os tolos e
ignorantes.
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