Sem me pré-ocupar com o silêncio e um
suave murmúrio, quer entre risos, quer entre prantos, espalho-me por todo
canto, ao pensar que cessa o conflito que por ínfimos segundos me alegrava e
por momentos longos me doía.
Engano-me, pois a música que ouço é o silêncio que
deixa pingos de lágrimas descer a face, feliz por saber entoar o mais belo
canto que jamais se ouvira, o canto dos adágios e águas, interminável confronto
entre a doce música, advinda de algum lugar distante, num enorme vazio, eu, tão
pequeno, assistindo às imagens que, espontâneas e brevemente, se anunciam,
revelam-se, escondem-se... se eu soubesse, entenderia melhor o caminho a ser
percorrido.
Sei da saudade
de primavera o verbo conjugado no tempo, é um alívio para o meu sentir humano.
O que mais poderia dizer sobre o sentimento que, de vivo, tornou-se a semente
que, tornada planta, irá sempre apresentar os seus frutos deliciosos? Dizendo
algo mais, não iria prejudicar a idéias e as emoções que, em sintonia com a dor
e a alegria, perpassam o íntimo?
As paredes
frias, há alguns dias consecutivos que vem chovendo, acolhem tinta e pó,
lugares sujos e arranhados... O olhar
sobre elas não intimida nem retorce. Solidão amiga de encontro e pura
saudade, não preciso de asas para chegar ao céu.
No proscênio
desta cidade, no canto de minha canção, que, inda no início do outono, reclama
o inverno, contando e cortando o tempo, eu, num gosto, de luz e de graça, deixo
para a noite, ao brindar de taças e, quem sabe, um pouquinho, pro sol que há de
vir amanhar, assistir aos projetos superpostos no tempo, tencionados a
preencher o vazio da resposta às perguntas que solenemente atravessam a
História: O que é o ser? O que pode ser conhecido? Sou livre?
Em verdade, não faço questão alguma da
matéria de meu canto, se afago de adágios e águas, se consolo de esquecimentos
ou falta de ritmo e melodia. Quem sabe importa mais o ramo de flores absurdas
enviado por via postal ao semeador de suas sementes.
Não serei o
canto do Cruzeiro no alto da montanha, a paisagem e o cenário vistos de minha
janela. As águas são a minha matéria, o tempo presente, a humanidade presente,
a vida presente.
Cantarei a
soberania do “si-mesmo” e do outro, não cantarei a liberdade porque ela não
existe, existe apenas o medo da escravidão, das correntes e algemas, o medo
grande dos vales, dos abismos. Cantarei o medo da autenticidade, a insegurança
da soberania.
Se perguntas
sem respostas devam ser alteradas, adulteradas, que faço, então, com as
interrogações que persistem em ecoar? Ouso na resposta, mesmo sabendo do erro,
do engano, o fácil de entendimento e de vida nem sempre convence por não deixar
questionamentos complexos e herméticos. Apesar da ironia do erro e da angustiante
certeza desse estágio de limitações, distribuo um segredo como quem ama ou
deseja o verbo amar, aprendendo novas palavras e tornando outras mais
profundas.
Impõe-se
egoísta o mistério das palavras não ditas e da não-palavra inexpressa. Deveria,
então, mesmo para me divertir um pouco, buscar esquecer o que não desejo
lembrar, louvar a ressurreição de um quotidiano sem asco; renovar o sorriso
indiferente, amarelo, e ignorar a humanidade além da forma em vida?
Por que iria
responder a esse questionamento, a esse sentimento que, tomando-me por inteiro,
deixou-me seus passos e traços, sua felicidade e sua dor? Sonhar com sonho,
sonhar em sonho, sonhar sem sonho. A lei é sonhar.
O medo de
responder viu só um fio de luz entre a vaidade arraigada e o cheiro de flores
cujos nomes não me é dado saber. Não faço sucumbir a palavra ao fosse onde
enterraram a carne.
O que gostaria
de sublinhar é a circunstância de que essa nova nuance nasce do próprio
espírito dos adágios, afetos propriamente ativos, como a sede de conhecimento,
a fome de sabedoria, que, desde milênios e séculos, acompanham o homem, e
outros nesta linha de pensamento, nesta imagem das águas.
Que adianta
dizer? Que adianta pensar estas coisas? Nenhum outro ser existe mais
intensamente ligado às águas que seguem o rio sem margens, sem pressa, e seu
sorriso, como sua fala, como sua presença inteira, é uma continuidade destinada
ao encontro, ao que lhe é vocacionado.
Confesso que
tenho medo de que as palavras me faltem, e não possa mergulhar um pouco mais.
Ah, é verdade que me acho muito longe do que fora, mas para mim ainda existe a
mesmo secreto desejo de saciar a sede de conhecimento.
Debato-me, o
coração me vem aos lábios: que é válido, que é invulnerável às águas do tempo,
qual o sentimento que não se esgota e não se ultraja? Refaço todos estes
questionamentos, repiso em vão essas todas teclas. Sinto-me mudo, difícil, o
olhar esviado para águas que vão longe. O longe é apenas sentir-me como se
fosse apenas um nome, soprado há muito na vastidão de um jardim que não existe
mais. Um nome, como a folha que cai, sem o eco de minhas palavras.
Ah, e isto é o
que me abala e me consome: imaginar-me distanciado, sem um olhar de piedade
para o que me constitui; imaginar-me no meu silêncio, completamente esquecido
de sonhos e utopias, dos caminhos do verbo amar.
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