Haverei de ensinar-me a viver ou a deitar fora a
vida como se inútil ou desprezível fosse; haverei de tocar com a mão delicada o
coração agoniado, para que ele, em contato com a vida, re-nasça ou se torne em
cinzas.
Instante inesquecível em que torno a sentir! Escuto
o riso da ampulheta, diante do tempo – o vento invade-me a voz que é sonho, o
desejo da mente que é imensidão, a vontade da alma que é eternidade. O espelho
procura a imagem, buscando aprimorar com ousadia o registro de mim – desço pela
janela do que já se tornou inevitável, como a taça que se estiola no chão e não
quero, insisto e persisto em não “emendar” – diria ser teimoso, burro empacado?
Sigo o longo caminho, não me importando se haverá
poeira, se por vezes irei passar por um deserto, se há longas curvas, aclives
ou declives, o fato é que sigo a estrada. Nada há de novidade, sim caminho novo
a seguir.
Não faz cinco minutos troquei a lâmpada antiga, do
abajur, que estava queimada por outra recente. Sentado no sofá, olhando a
claridade com fixidez, sinto o olhar que contempla o sonho perscrutando na
imagem o sentimento de um além, encontro do sentido e do homem a recriar as
observações à busca do risível e do solidário, da infinitude e da compaixão, do
homem e da humanidade.
Tenho de esperar tempo de anunciação de única
palavra, na certeza de que irá surgir, re-nascendo aí a esperança de emoção ou
sentimento, e não me angustiarei. É indescritível andar daqui para ali,
contemplando o mundo, buscando sonhos que possa ir construindo, cheio de
impaciência, e veemente esperançado, imaginar com antecedência a lâmina do
machado que fere o sândalo, o sândalo que fere a lâmina do machado, o encontro,
o diálogo, a conversação, os acontecimentos do ser e do tempo.
Aqui estou. Realiza-se o prodígio de re-tornar a
sentir-me Ser que se faz continuamente, a continuidade de sonhos, utopias,
desejos, vontades são também o Ser. Importa-me que tudo prossiga, prolongue,
abandonar-me à vertigem, seguir a Estrela Polar. Sentir o espírito fervilhar de
idéias, e poder atravessar a ponte que separa os campos imaginários do devaneio
das colheitas positivas de atitudes. A luz e os espetáculos estão de acordo com
o caráter da eternidade. Que tudo seja atraído pelo íntimo desejo, impulsionado
por vocação profunda, tão simples como no pensamento, pela Natureza e Alma,
pelo Sonho e Espírito.
Por que não consentir e reconhecer essa súbita
visão que se me impõe, resplendor, raio de luz que admiro? Em verdade, o
assegurar de novas buscas, de maneira que o outono se apóie (ou apóia) à
soleira do inverno? Peregrino em direção às ruínas dos tabernáculoos: lá
encontro o risível e insosso, que é o encontro com a condição de homem que
deixei nalguma taberna da estrada longa e desprezível.
Acontece que o saber compreender, o saber entender,
[e por que não o saber morrer?], romper o véu de mistérios e enigmas, ir
buscando eterna e ininterruptamente mutações em mim, conduz à eternidade.
Nascimento significa o genuíno, ingênuo, pureza,
desunir do todo, aniquilação da doída e con-doída individualidade, afastamento
de Deus, re-tornar ao Todo, chegar a ser Deus, quero dizer: ter buscado cristianizar a com-preensão e entendimento de Deus, ter
ampliado a dimensão do espírito de tal modo
que se mostre possível voltar a
conter de novo o Todo.
O que me importa é o que o rio me comunicou, às
vezes não só difícil e complicado entender, mas impossível de sentir realizado,
o fato de o tempo não existir. E, pensando nisto, interrompo-me e percebo estar
a cofiar a barba com o dedo indicador e polegar, com as pernas cruzadas sobre a
cadeira e com o braço direito estirado sobre a perna direita.
O que sinto é movimento, circulação. Ai, no subir
de mim, nesse criar do nada, perfeitamente absurdo, porque do nada nada se cria
– e eu criei... Mas esse mesmo subir é ininteligível como subir montanha
descalço, porque não subo além do que faço para me ver fazer, porque o agir é
apenas simultânea consciência desse agir que dele se não desprende. Sei-me como
homem que atua ou pensa, mas não vejo o meu eu a atuar ou a pensar.
Consegui, não sem alguns sofrimentos
desnecessários, romper a solidão, a de sair e perambular pelas ruas sem rumo
nem destino, porque a arranquei das mesmas portas do inferno e consegui
despertar-me, re-nascer.
Bocejos
inscrevem a mesma atitude de afeto... Palavras algemadas, sem margem de
possível sublimação, tecem, na oponibilidade de um dedo aos outros, a falha de
gestos; cerram da súbita idéia de evidência o emudecer que me violenta,
reduz-me a qualquer manifestação. Parvo crocitar tateia do mundo a realidade da
língua. O som existe no coaxar absurdo, no gralhar descoordenado e informe.
Toda a gralhada alheia passa por mim – a claridade turba-se, certa impotência
atinge a pronúncia, labirinto de caminho imprevisível.
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