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segunda-feira, 23 de novembro de 2015

AUTOBIOGRAFIA DE UM ESCRITOR




Sou composto de traços e passos
Ensombrecidos cantos, recantos e auroras.
Sombrios sítios, crepúsculos, cavernas,
Sou lembranças de sonhos perdidos nas curvas do tempo,
Sou recordações do raio de luz, do sibilo de vento,
Sou memórias de instantes de prazer, momentos de dor
Com que apagam
Na noite a luz do abajour que acendo.
Sou obstinação, determinação, insistência, persistência
A lenha que re-colho para colocar na lareira
A chama do fogo que rasga a escuridão.

Sou composto de marcas e cicatrizes;
Uma face e um símbolo, um rosto e um signo,
Um semblante e uma metáfora,
Uma imagem e uma perspectiva,
A poeira das ruas de minha terra-natal
Na sola de meu sapato,
Minhas mãos postas ao céu, ao que trans-cende,
Meu punho erguido,
Um murmúrio, um sussurro, um grito
Um berro altissonante,
Uma agonia, um desespero, um desconsolo
Lágrimas que descem a face da contingência.

Sou composto de estrume e de solo íngreme;
Sou rumores, sou gemidos, sou suspiros,
Sou pés trilhando ruas e avenidas,
Sou pernas varando o tempo,
Sol na cabeça, no rosto e cruz suja de terra,
Fardo colorido, destino branco e preto,
Sina, saga, destino sem cores e brilhos, 
Sou o aqui-e-agora, o que há-de vir,
A hora que se apresenta e se esvaece
Mas retorna com novas energias, forças.

Sou ouvidos de línguas estrangeiras,
Sou voz de olhares à espreita do ser e tempo,
Impeto de lábios, sorrisos à mercê das coisas hilárias,
Esgares de tristeza e angústia à revelia das dialéticas
Da vida e morte,
Pele, pensamentos, poros, pelos...

Sou uma espera, fantasia, ilusão,
Sou um movimento, sonho, utopia,
Um pingo de chuva, um raio de sol,
Uma lufada de vento, uma luz de relâmpago,
Brilho da lua bolinando a escuridão da noite,
Cintilância das estrelas seduzindo o universo,
Sou a mão que pinta de cores semivivas a tela de desejos,
Sou a palavra registrando no dito e inter-dito o espírito da vida,
Sou a nudez de corpo exposto às primeiras luzes da manhã
Sou tear na madrugada fabricando vida plena.

Sou capim do pasto e as ovelhas.
Sou peixe e água de rios, córregos e lagoas;
Sou espaço e a borboleta, sou horizonte e a águia.

Sou a idéia de uma coruja
Pousada sobre uma galha de árvore,
E quando sou a idéia,
Sou a coruja.



Manoel Ferreira Neto

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