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terça-feira, 24 de novembro de 2015

ALIVIADO COM O QUE DISSER


São as dificuldades que tenho de escrever isto, de registrar o que sinto, a dor intensa até lá onde só Deus saberia dizer. Colocar tudo nesta folha de papel, levantar-me da cadeira, balançar o corpo, atravessar a porta, e mais nada haver para dizer, para sentir sobre o que passou, deixou de passar, deixou de acontecer. Outro homem!... Posso sentir-me aliviado com o que disser. Mas o apagar de tudo em mim, isto é que não é possível. E eu preciso mesmo é de nada mais me lembrar, de recordar, de ter uma vaga memória. Iniciar do início. Impossível.

  De que adianta então as palavras, os sentidos, os significados? De nada adianta. Com certeza. Servem para brincar - bem, para mim é para brincar, passar o tempo até daqui a pouco, quando já imaginar que não sobrou mais nada a registrar.

  Ligar o aparelho de televisão, assistir uma porcaria de filme. Não. Se fosse um excelente filme, como um dos de Ingmar Bergman, Rainer Werner Fassbinder, Antonioni, aí sím eu teria algo a fazer-me um enorme bem, nalguma coisa me identifiquei, pode auxiliar-me. Mas é algo exterior... E é mesmo exterior. Pelo menos do objeto de onde está saindo a imagem.

Se não se fala do homem, de que irá se falar? Da vida selvagem, de uma tribo lá no Tocantins... De onde não se pode mais alcançar nem com a imaginação, o sonho. Foi o homem que criou a imagem, muito antes, criou a palavra. Os filmes destes diretores só iriam contribuir para passar o tempo, prolongar os minutos até daqui a pouco. Viria o dia, e outro dia, e outro dia... Uma continuidade sem fim, até que fosse apenas a continuidade de outra pessoa qualquer, morando onde qualquer sonho ou imaginação alcançariam... Respeito as pessoas, suas dores, tenho-lhes consideração, amor, não este amor cantado e decantado pelos poetas, prosadores... Sei lá, mas eu acho que conheço as dores deles, suas necessidades, anseios, vontades, desejos. Se não, prolonguei os minutos até daqui a pouco.

  Sinto agora um pouco das dores que são passadas... O verbo passar mostrou bem o que queria dizer. Nem vou mais dizer isto. Dizer que as dores são ou não (?) manifestadas através das palavras. Paro aqui e, olho, adeus palavra, adeus papel, até mesmo dizer alguma coisa. Fechar a boca de uma vez por todas. Adiantaria? Não. Calou-se, mas lá dentro o silêncio diz... Diz para mim que me ouço, que sinto, que penso, que intuo, que percebo, que imagino. Nem mesmo o silêncio é capaz de dizer bem o que intenciono. Não morrer. Morrer não adianta coisa alguma. Alguém amanhã diria isto ou aquilo de mim, justificando a minha morte, e como algumas considerações foram verdadeiras, embora fossem as pessoas a julgar que foram verdadeiras. A morte não. Não vale muito a pena viver, e muito embora eu sinta um enorme amor pela vida, desejando-a sentir ainda por longos anos ainda.

  Se for pensar, sinto-me assim por uma imensa depressão. É assim mesmo. Talvez amanhã cedo, após escrever um sem número de páginas, não sei quantas mil letras, sinta-me bem, re-confortado, pronto para outra depressão que virá após alguns dias, devido a algumas circunstâncias, situações. Foi o início, algo mudou por completo a minha vida, e, quando iniciei o escrito, comecei dizendo que de nada iria adiantar, nem sabia de quê estaria dizendo, qual é a dor maior. E mudou tudo!... Lendo mais tarde, diria: "Não sou este homem pessimista. Ao contrário: sou é muito otimista". E este escrito permanecerá sendo de um início pessimista.

  Ainda que eu pense que as palavras de nada servem - talvez não sirvam para serem escritas, - e, num instante de tanta depressão, uma pessoa seria o mais aconselhável. Diria qualquer pessoa, disso não tenho qualquer dúvida. E, dizendo assim, em hipótese alguma, não tenho dúvidas de que alguém diria estas mesmas palavras: 'Você está precisando é de alguém ao seu lado. Está precisando de alguém com quem conversar, dividir com ela seus problemas, seus momentos de prazer". Perguntaria a esta pessoa, se o que alguém fosse ouvir, ou fosse sentir apenas, não havendo qualquer palavra, ela seria capaz de sentir a dor em toda a sua plenitude. Disto nada há no mundo que me prove o contrário: para o outro, não sou quem disser de mim, para mim, o outro não é quem ele disser dele. E não é que haja fingimento, medo, representação, mentira. Tão somente porque o outro é o outro. Então?!... De que adianta alguém aqui ao meu lado, e, ao invés de estar escrevendo, estivesse dizendo, mesmo sem as palavras. Um diálogo para além... Seu amor, seu carinho, sua atenção, sua ternura iriam sensibilizar-me, transformar-me, mas não é disso que estou necessitando. Ainda que Deus sentasse ao meu lado, conversasse comigo, dissesse as suas mais íntimas mensagens, e dissesse como será cada segundo de minha vida, após a nossa conversa, permaneceria ele Deus e eu permaneceria quem sou. Só mesmo se eu me transformasse em um Deus, por uma extremíssima generosidade e bondade d'Ele, aí sim seria bem diferente. E se digo "diferente" - o que for diferente é diferente em relação a algo. Por que sou eu quem o diz, seria diferente em relação a mim mesmo. Embora Deus, seria Deus em referência a mim, que embora Deus, continuei sendo.

  Caso eu começasse daqui para frente: "Nasci numa pequena cidade no interior de Minas..." Registrasse todos os pormenores, detalhes, picuínhas... Uma autobiografia... Algo que ninguém, nunca, jamais, escreveu... Nem Homero, nem Eurípides, nem Platão, nem Sócrates, ninguém mesmo, nunca houvesse outro que tenha dito toda a verdade, aquela Verdade que só Deus manifesta, revela... A dor continuaria existindo, transformada talvez, mas existindo. O meu passado.

  Talvez haja algo capaz de me fazer sentir a maior das felicidades... Não houvesse existido em qualquer época do mundo. Não fosse nem um espírito. Nem fosse  um nada. Não fosse pedra, não fosse prego, não fosse uma árvore. Nem Deus poderia imaginar a possibilidade de existir. Ficaria feliz? Isto foi uma asneira. Para alguém, eu seria feliz? E para quem? Para mim mesmo.


                                                            Manoel Ferreira

                                                            (01 de maio de 2002)

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