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sábado, 7 de novembro de 2015

O meu primeiro Natal em São Paulo....Por Helena Fragoso






O meu primeiro Natal em São Paulo....

Apresentação... 

Sou Portuguesa, vivo em São Paulo, neste momento os meus filhos também aqui vivem..., mas nos três primeiros anos, estava totalmente só, sem conhecer ninguém... E este momento, foi vivenciado, sofrido e ultrapassado totalmente a sós....

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Encontrava-me em São Paulo, fazia um ano, tinha vindo de Portugal, aceitando um convite para trabalhar numa empresa em São Paulo. Uma proposta interessante, que me tinha chegado através de um amigo, que vivia em Lisboa, e que me informou que conhecia umas pessoas, que tinham uma grande empresa em São Paulo. Disse-me que essa empresa tinha parceria com a Microsoft. Falou-me que a empresa estava interessada em colocar pessoas com experiência. Informou-me também que tinha falado com essas pessoas, que me conhecia, e que estariam interessados na minha colaboração caso eu aceitasse vir para o Brasil.

Por me encontrar aposentada em Portugal, ser divorciada, e também por já se adivinhar uma crise europeia, aceitei essa proposta, vindo para São Paulo. A ideia, era de facto, organizar a vida aqui no Brasil, preparando a vindo também dos meus dois filhos, que apenas tinham ficado em Lisboa para poderem terminar seus cursos.

Iniciei o meu trabalho, e durante algum tempo, foi –me dito que a empresa era nova, que estava avançando no mercado de trabalho, mas que por ser nova tinha ainda algumas dificuldades, mas daí a alguns meses, já estaria consolidada. Sem qualquer desconfiança, acreditando no que me estavam falando, trabalhava intensamente no intuito de ajudar à consolidação da empresa. No entanto, comecei a achar estranho não terem dinheiro para me pagar, e inclusivamente tentando ver se eu teria dinheiro para investir ajudando assim a empresa... 

Mesmo achando um pouco estranho, mas de total boa-fé acreditei em todas as explicações que me estavam sendo dadas, e sim, ajudei a empresa tanto monetariamente, e fui ficando com os salários em atraso.... Os meses foram-se passando até que a situação se extremou de tal forma, que apesar da minha ingenuidade, da minha confiança, algo despertou em mim... E comecei de facto a questionar, se haveria alguma coisa menos correta. Mas, como não era de facto da minha índole, desconfiar, nem duvidar d que me diziam, continuei trabalhando, embora começasse a questionar diretamente o dono da empresa, porque a situação estava ficando insustentável, pois não tinha recebido ainda nenhum salário, estava praticamente trabalhando há um ano, emprestando dinheiro meu para a empresa, e as minhas economias estavam findando... além de me encontrar nesse momento já um pouco doente, e totalmente sozinha num país que ainda mal conhecia.

Até que um dia, depois de ter saído de casa, na Avenida São João, centro de São Paulo, onde eu morava desde que tinha vindo para o Brasil, ao chegar à empresa, tentei ter de facto uma conversa séria com o dono, e foi –me dito que ele não se encontrava, e que apenas podia falar com um dos sócios, que também conhecia. Conversei com ele, foi –me dito que a situação seria totalmente resolvida daí a uma semana, pois que o dono estava naquele momento numa reunião noutra empresa de grande porte, para fazerem um contrato de parceria, e que finalmente se iriam criar condições para pagarem os salários atrasados, e finalmente a empresa ficar consolidada.

Perante tal informação, novamente acreditei, e segui para a minha sala. Mas, pela primeira vez, sentia angústia, sentia como se algo me dissesse que nada daquilo era verdade....

Durante o dia, comecei a ver alguma movimentação estranha, como telefones que tocavam e havia ordem de não se atender, papeis a serem encaixotados e a serem levados por alguns funcionários mais amigos do dono e dos sócios, e isso fez aumentar as minhas dúvidas, a minha desconfiança recente.

Estávamos no dia 23 de dezembro, véspera de Natal. Por volta das 14 horas, o sócio com quem eu tinha conversado de manhã cedo quando cheguei, veio ter comigo e disse-me, para ir embora, porque a empresa ia fechar e só abriria dia 8 de janeiro, exatamente por serem as festas de Natal e final de ano. Tudo bem, despedi-me, não antes de perguntar se não me pagariam alguma coisa, pois estava sozinha em São Paulo, e infelizmente já estava praticamente sem dinheiro. Foi –me dito que no final do dia, iriam à minha casa, levar em mão um pagamento e que depois iriam repor tudo o que estava em atraso.

A empresa, era sediada, na Zona Norte de São Paulo, perto de Jaçanã, e eu tinha combinado nesse dia ir a casa duma senhora, que me tinha pedido exatamente para lhe ir consertar o computador, que estava com problemas e lhe estava fazendo muita falta. Assim, saí da empresa, e fui diretamente a casa dessa senhora, uma senhora viúva que vivia com duas filhas. Lá estive, consertando o computador, por volta das 21 horas começou um temporal, de tal modo forte, que não deu 10 minutos estava tudo alagado. O prédio onde a senhora morava, ficava na Avenida do Estado, avenida que ficou totalmente alagada... e a chuva que era intensa não parava. Ao constatar a situação, e a impossibilidade de sair dali a senhora ofereceu-me um chá, uns biscoitos, e ficamos conversando, esperando que o tempo melhorasse. Mas, contrariamente ao esperado, a situação agravou-se havendo até sido transmitido pela televisão, um alerta da defesa civil para que se tivesse cuidado com o vento forte e a chuva que estava caindo na cidade. Então, a senhora, que ainda hoje conservo como amiga, disse que seria melhor eu ficar na casa dela, naquela noite, visto ser muito complicado e até perigoso, sair durante aquele temporal. 

Um pouco constrangida pela situação, pois iria ficar em casa de uma pessoa que embora conhecida, eu não tinha intimidade, mas devido realmente ao que se estava a passar aceitei, e a senhora logo se prontificou a ir arranjar mais alguma coisa para comer, trouxe cobertores e abriu o sofá cama que tinha na sala. No dia seguinte, apesar de haver grandes estragos pela cidade, o tempo tinha melhorado, e já dava para ir para a minha casa. A senhora, ainda quis para que almoçasse com ela e com as filhas, insistindo e dizendo que não aceitava uma recusa. Eu sorri, agradeci, e almoçamos então. Eram umas 16 e 30, mais ou menos, despedi-me agradeci toda a simpatia da senhora e fui embora para a minha casa, claro, sem cobrar o serviço que tinha ido fazer.

Quando cheguei, por volta das 18 horas a casa, fui recebida pelo Zelador do Prédio, que me indagou o que eu estava fazendo ali. Sem entender a pergunta, pensando que estava brincando comigo, disse-lhe que estava voltando do trabalho, e que ia para casa. Foi nesse momento, que o mundo parecia ter caído .... O moço disse-me que o Sr. Doutor, (o dono da empresa, que ele conhecia, pois já tinha ido buscar-me a casa algumas vezes), tinha estado lá no prédio, e que tinha dito que eu tinha mudado para outra casa e que mostrando um documento assinado por mim, vinha com uma empresa para fazer a mudança. E acrescentou que o Sr. Doutor, teria dito que eu iria entregar as chaves, após falar com o dono do apartamento.

(De facto, naquele momento, eu lembrei que ele me tinha pedido para assinar um documento, que ainda se encontrava em branco, para que ele pudesse tratar de uma documentação na empresa, que necessitava de ficar em nome de três pessoas. Pediu –me isto dizendo que confiavam em mim, e dizendo que seria um enorme favor que lhe faria, para o bem da empresa. Lembro que embora um pouco relutante, mas confiando ainda totalmente, eu assinei de facto em branco.)

Quando o Zelador me disse o que se tinha passado, aí sim, o mundo caiu mesmo aos meus pés, pois tive a certeza de que tinha sido explorada, enganada, roubada.... 

Lembro-me que me senti perdida, chorando em desespero, porque não tinha para onde ir. Ao ver-me naquele estado, o Zelador, ligou para o dono do apartamento, um senhor que sempre se tinha mostrado honesto e amigo, e começou a informa-lo do que se estava a passar.

O senhor nem deu tempo que se lhe dissesse tudo pelo telefone, disse apenas para eu o aguardar lá no prédio que iria de imediato ter comigo. 

De facto, nem 15 minutos se passaram e ele chegou. Ao ver-me naquele desespero, chorando, disse: “Helena, a senhora tenha calma, vamos subir e ver o que levaram e seguidamente vou levar a senhora à Delegacia, acalme-se que eu acompanho a senhora”. 

Subimos ao terceiro andar, andar onde ficava o meu apartamento, e rodando a chave abri a porta... e o meu desespero então foi total. Constatei que estava totalmente vazio, tudo, mas tudo tinha sido levado, incluindo os meus documentos, cartões de banco, que estavam numa gaveta em casa, passaporte, enfim... tudo, nem uma cadeira tinha para me sentar.... 

O dono do apartamento, abraçou-me e disse-me que íamos de imediato para a delegacia, mas que ficasse tranquila, porque iria naquele momento telefonar para o filho e pedir para ele levar para o apartamento, um sofá cama que tinha em excesso, para que eu pudesse ter onde me sentar e dormir, e que depois com calma iríamos ver o que eu faria.

Assim foi... enquanto o filho foi ao apartamento deixar o sofá cama e alguns cobertores, pois eu tinha ficado sem nada, eu e o senhor fomos para a delegacia. Fomos atendidos por um policial, e ao contar o que se estava a passar, foi –nos dito que aguardássemos, que iríamos falar com um Delegado. Uns minutos depois mandaram-nos entrar para uma sala, onde se encontrava o Delegado, Dr. Fábio, que se levantando nos cumprimentou, se apresentou, e nos disse para sentar e que contássemos o que se passava. Eu estava tão nervosa, que apenas chorava, e praticamente nem conseguia falar. Então o dono do apartamento, começou a descrever a situação, e aos poucos eu fui acalmando, para poder responder às questões que me estavam sendo colocadas. Com mais calma, expliquei tudo em pormenor, e ao citar o nome do dono da empresa, o delegado sorri, olha para mim e pede para eu esperar um pouco.

Chamou um policial, a quem disse qualquer coisa, meio em surdina, e o mesmo policial saiu... e, voltando logo em seguida trazia uma pasta enorme com um monte de papéis, que entregou ao Delegado Dr. Fábio; este, abriu a pasta, e pegando uma fotografia disse-me que olhasse e lhe dissesse se a pessoa na foto, não era o dono da empresa.

Fiquei totalmente boquiaberta, parecia que nem estava vendo como deve ser, as lágrimas rolavam e o meu desespero voltou a aumentar.

Sim, disse eu, é o dono da empresa, e o senhor ao lado é o sócio. O Delegado então falou que eles com certeza tinham dito que a empresa estava no início, que iam fazer parceria com outra empresa, que tinham parceria com a Microsoft, enfim, disse tudo o que durante esse tempo me tinha sido de facto dito por esses senhores. E, por fim disse...e também o que se intitula dono, lhe deve ter dito que tinha câncer, que tinha gasto fortunas para se tratar, mas em vão, que continuava muito mal, mas que era esse o motivo para haver salários em atraso, mas que finalmente ia resolver tudo....

À medida que o Delegado falava, as lágrimas corriam mais intensamente, e eu sim tinha a certeza que tinha sido mesmo roubada, que tinha ficado sem nada, por ter confiando nessas pessoas. Então o Delegado disse que eles tinham efetuado uma busca, porque havia várias queixas contra esses senhores, que estavam sendo investigados já há dois anos... E. informou mais... naquele dia de manhã tinham ido a Jaçanã, onde funcionava a empresa, e que tinham verificado que apenas as paredes existiam, que a empresa tinha sido despejada, ou seja, eles tinham tirado tudo e desaparecido. Disse-me também que já tinham ido à casa dos senhores e que não os tinham encontrado, daí o ter sido emitido um mandado para que fossem procurados. 

Acrescentou que eu tinha sido muito ingênua, em ter vindo de Portugal sem sequer ter tirado mais informações, e em ter confiado tão cegamente nas pessoas... (ainda fazendo graça dizendo que português é burro ...), isto sem o intuito de ofensa, pois foi dito sem entoação ofensiva, até penso que com a intenção de me fazer sorrir um pouco.

Contei então que tinha assinado um documento em branco, enfim, contei tudo o que aconteceu, o ter trabalhado sem um salário, e por fim o esvaziar do apartamento, o ter ficado sem nada.

Ele, o Delegado, ficou muito incomodado, senti que realmente, mesmo sendo policial, e habituado a ver imensa coisa desonesta, notei que ele talvez por sentir e ver o meu desespero, sabendo que estava inteiramente só noutro país que não o meu, sem família, sem amigos... senti que ele tinha ficado mesmo tocado com o assunto. Aí o dono do apartamento informou, que não me iria cobrar aluguel até eu me refazer da situação, que podia ficar tranquila e voltar ao apartamento, e que inclusive, além do sofá cama que já tinha pedido ao filho para levar, que me iria ajudar com uns moveis que já não usava, e que estavam numa casa, que estava servindo de depósito, onde guardava coisas que já não usava. Enfim, depois do Delegado anotar tudo, de me dar o telefone direto dele, e me dizer que qualquer coisa eu lhe ligasse, e até de me dar um abraço de conforto, eu e o dono da casa, voltamos ao meu apartamento. Como era véspera de Natal, eu insisti para que ele fosse embora, para ir para junto da família, dizendo que estava bem, e agradecendo tudo o que ele estava a fazer por mim. O senhor, então, despediu-se, ainda me perguntou se não queria ir para casa dele, o que eu recusei, deu-me um abraço, dizendo que qualquer coisa lhe ligasse, e foi andado para junto da família.

Então finalmente a solidão se fez a minha companhia, naquele início de noite de Natal. Um início de noite brilhante, onde as luzes cintilavam à minha volta. Pendiam das árvores, por todas as ruas que ia tristemente percorrendo, pequeninas lâmpadas de variadas cores, iluminando entre piscadelas compassadas, que pareciam ser regidas por orquestrações bem desenhadas num toar de som natalício.

Eu, meio que perdida, embora soubesse que tinha o apartamento onde podia ficar, eu sentia que no fundo me encontrava sem saber para onde ir, o que fazer, só, no meio desta cidade, onde por obrigação me encontrava, e ainda me encontro, cidade imensa e que embora tenha sua beleza, não a torna viva a quem vem de longe; talvez pela sua rigidez de concretos erguidos, pelo vai e vem incessante que embora permita o olhar, não permite o ver, o sentir de quem tão amargamente só por ela se entranha.

Longe do meu país, longe do que me faz ainda sentir um pouco viva, naquela noite triste e bem cruel de Natal. Nisto, de repente toca o meu celular, e olhando verifiquei que era o número da minha filha. Meio tremente, atendo, e ainda mais emocionada fico ao ouvir aquela voz doce. Tento controlar o meu desespero e minto…. Minto descaradamente dizendo que está tudo bem, que tudo vai o melhor possível, e a ouço dizer que me ama, desejar-me um Bom Natal, mandar beijos, e avisar que o irmão também me queria falar. A custo, controlando a minha dor, para que eles não percebessem o drama que estava vivendo, falei com eles, e poucos minutos depois despedi-me. Foi talvez a noite mais cruel da minha vida... E, como essa noite foi cruel …sem nada, sem ninguém, percorri toda a cidade, duma ponta a outra, cansada, as lágrimas correndo, sem ter ideia do que iria fazer, tendo a consciência de ter mentido aos meus filhos, para que não se preocupassem, mas sentindo bem todo o peso dessa solidão e do desespero que me dominava.

E… andando pela Avenida S. João, já bem perto da porta de casa, o meu desencanto, o meu sentimento de solidão, de abandono era tão forte, que meio sem noção, sentei-me num banco junto à Igreja de Santa Cecília, e olhei as árvores piscando, e no compasso das luzes, as lágrimas dançavam, como se fizessem parte desse concerto de Natal.

Acendi um cigarro e ali fiquei tentado organizar o pensamento, mas em vão…

Então, um menino de rua, descalço, sujo, vestido com papel de jornal, com umas caixas de papelão numa mão e um naco de pão na outra, chegou bem perto de mim e disse: 

“Tia… não chore, você tem fome? Você está só? Tia…. Oh Tia… tome. Eu dou o meu pão …Vá Tia. É Natal você não está vendo as luzes? ”

Olhei-o, e no meio de toda a minha tristeza, no meio de todo o meu abandono, senti aqueles olhinhos doces, aquele calor humano vindo de uma criança que se encontrava também só, abandonada sem um carinho de pai e mãe…

Aí, limpei as lágrimas, sorri, e consegui tirar de dentro da minha alma um abraço de calor para ele, um carinho de mãe, uma carícia de solidão para solidão.... Disse-lhe que não … não queria o pão, que ele o comesse, que eu não tinha fome…que apenas estava triste. 

Ele sorriu, devorou o naco de pão e olhou-me novamente, e, à laia de despedida falou:

” Tia… não esqueça que é Natal, gostei do seu sorriso… Tia, confia “nim mim”. É Natal. Você não pode chorar“ e … dando um beijo apressado na minha mão, saiu correndo. 

Fiquei olhando aquele menino até o perder de vista. Depois, levantei-me e arrastei-me como pude até chegar a casa. Foi uma noite vazia de tudo, vazia de amor, vazia de mim….

Mas ainda hoje, no meio da minha solidão, no meio do meu destino meio que sem gosto, me recordo daquele menino de rua, que foi meu único conforto nessa noite de Natal, desejando bem da minha alma que tenha encontrado alguém que lhe tenha dado o amor que ele me conseguiu dar naquele momento! E… sorrio ao pensar que talvez ele o tenha conseguido…desejando que seja mais feliz que eu!

Helena Fragoso

Um comentário:

  1. Impressionante poetisa!!Impressionada, tantas coisas que lhe aconteceram né?Mas felizmente tirou foças de si lá do fundo e reagiu...Encontrou um "menino Anjo", um delegado humano, e outras pessoas também, o dono do apartamento , a senhora tua amiga, o porteiro, veja a soma da bondade muito maior do que da maldade...Saiu-se muito bem, claro que nos toca os acontecimentos tristes...Mas vencestes!Hoje aqui descrevendo e muito bem por sinal...Belíssimo texto!!!Parabéns!!!Bjos

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