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terça-feira, 24 de novembro de 2015

AS ESTRELAS VELAM O OSSUÁRIO DA TERRA


Epígrafe:
“... porque a sabedoria abriu a boca aos mudos, e tornou eloqüente a língua das crianças”

(Sabedoria, 10,21)

Maria maria os verbos da vida. Maria maria as sendas do ser. Maria maria as veredas do amor. Maria maria os abismos na montanha. Maria maria o silvestre da natureza na floresta. Maria maria as águas dos rios em direção ao mar. Maria maria a cintilância das estrelas que velam o ossuário da terra. Maria maria o brilho da lua que inspira o boêmio na sua serenata ao amor de seu coração. Maria maria as regências da esperança e sonhos. Maria maria os caminhos do campo... 
A face da serra, voltada para mim, ilumina-se agora toda, branca e solene.Como um olhar gravado de cansaço, as estrelas velam o ossuário da terra, o profundo silencia o que me submerge. Calado, ouço o que me segreda a água – esta que cai a todo instante lá fora, regando os jardins de rosas brancas, descendo as ruas seguindo o seu destino, tudo se destina a algo, não tenho comigo nada que contrarie esta verdade, deixando-as lavadas de todo o lixo que os transeuntes deixam nelas, enquanto andam daqui para ali, com seus afazeres e obrigações, [jardins de rosas brancas, vermelhas, amarelas], neste segundo em que de costa, sentado em minha cadeira de balanço, busco escrever este momento. 
Letras de solidão e sombras.
Quem sabe devesse eu tecer algumas considerações que penso e sinto serem primordiais no sentido de tornar lúcido o que dentro trago em mim, o paradoxo, que, por vezes não encontro modo algum de definir, as situações indecorosas e inconseqüentes em que me envolvo, muitas vezes tendo de calar-me, nada dizendo, deixando-me exposto a todos os ventos e sibilos deles de entre as serras e montanhas. Há quando penso comigo que questiono a natureza da arte, expressa-la de modo exemplar e único, num estilo muito particular e singular, tendo então de carregar a tinta no que há de contraditório, sem senso, quem sabe assim atingindo o efeito pretendido, op que requer submissão às constantes análises sobre a própria produção. A idéia assume o papel de um motor que faz a arte.
Escrevo absolutamente de memória, - procuro, principalmente, por emoções que provocam não somente sentimentos puros, mas também os que buscam uma sensação nova, intrigante, complexa, multifacetada, dilacerada, ambígua, e, ao mesmo tempo, tênue -, sem documentos, sem material que me ajude a recordar. Há na minha vida acontecimentos que me estão sobremodo presentes como se acabassem de acontecer; mas há lacunas e vácuos que só posso preencher com o auxílio de histórias tão estranhas quanto a lembrança que delas me ficou.
E, em me referindo ao ambíguo, não posso deixar de registrar, ainda que penso não devesse tecendo tais considerações, para que irão servir, pergunto-me, angustiando-me, pois que não saberia responder por elas. O ambíguo se me apresenta num campo aberto de sentidos, revelando ou sugerindo diversos significados, às vezes até opostos, sem confirma-los jamais, se o fizesse, creio, perderia a sua originalidade pois que intencionam ser uma imagem do mistério. Como o objeto ambíguo aponta aspectos e valores múltiplos, perpetua-se o equívoco, que não se extingue, mesmo quando, por um instante, penso que encontrei o sentido verdadeiro. 
Na minha opinião, a ociosidade não é um flagelo social menor do que a solidão. Nada diminui tanto o espírito, nada engendra tantas ninharias perniciosas, intrigas, aborrecimentos, mentiras do que viverem pessoas eternamente fechadas umas defronte das outras numa sala, reduzidas, como único ofício, à necessidade de tagarelar constantemente.
Sartre afirma que a fenomenologia do ser humano, isto é, a descrição de como se manifesta e de como funciona o ser humano, reside em revelar que ele é um ser em si, mas que se abre sempre para o outro, que se abre ao mundo, que se abre à totalidade. Esta é a condição humana básica. Mas ele se recusa a aceitar que esta abertura tenha um objeto.
Um colóquio mantido desde há dias, cuja aparência ou cujo destino, sempre que a água me confia uma boa nova, entreolhamo-nos ambos, assim, com pensamentos id-ênticos, contentes de termos recebido a mesma resposta à mesma pergunta, e nem sabemos em palavras dizer. Tenho de prosseguir trabalhando o fio tênue de água que escorre na vidraça, tecendo sempre mais de teia na obra, esse fiozinho frágil, único, todo dia, toda hora, perdendo e retomando o fluxo de sonhos, idéias, lembranças, para adensá-la enfim numa suave melodia, em que, ao final, as horas tristes e compridas são agora leves e prazerosas; os olhos não tiveram de desaprender de chorar, se porventura choravam antes. O tempo desata de imediato todas as saudades e ressurreições. Diminuir-se-ia a emoção, decerto se anularia, se as idéias visassem a uma demonstração. 
O mais não digo para não dar a esta página um aspecto misterioso, místico, enigmático, mas posso imaginar, na dobra do lençol sinto os dedos leves tocarem-me como tocava o piano, tu tocavas “Canção Agalopada”, e te sentias volúvel e susceptível, tu tocavas para ti e para mim. A alegria sutil e perspicaz desde o fundo da madrugada, desde o silêncio que projeta as imagens até ao limiar de sua evid-ência e também de sua contingência.Como um olhar gravado de cansaço, as estrelas velam o ossuário da terra, o profundo silencia o que me submerge. 
Deus tem pleno sentido, Deus só tem sentido existencial se for resposta à busca radical do ser humano por luz e por caminho a partir da experiência de escuridão e de errância, de solidão e sombras. Ou simplesmente pela experiência iluminadora de sentido que deriva da vida, da majestade do universo, da inocência dos olhos da criança.
Deus olhou suas criaturas e com divino e paternal cuidado constatou que a solidão não lhes faria bem, não realizaria suas vidas. Olhou-as com um olhar preocupado, sentimento de alguém que só quer o melhor para elas, pois na vontade divina não cabe a solidão. Con-templo agora nós, geração marcada por estar assim, tão só. Mergulho em alguns temas procurando respostas... Vejo a solidão com três faces: a primeira, espiritual. Quanta gente só, diante do mistério, diante do inefável, diante da Vida. Não escuta Deus, não fala com ele, não o encontra, não o pensa, e ainda tem a petulância de ser ateu, o maior inconsciente é aquela que negligencia a sua inconsciência. Falar de Deus os homens somos capazes mesmo sem palavras, mas falar com Deus é necessário haver palavra que possa Ele ouvir, e esta só poderá ser dita através do Amor e da Compaixão. Que solidão terrível, esta: a criatura desencontrada do seu criador, semente sem campo para germinar, alma que ainda não encontrou o caminho da própria casa.
Não sei mesmo se vocês os leitores já passaram pela situação de ouvir alguém agradecer ao outro por ele existir. Nossa!... É uma experiência sem limites. Às vezes, digo à minha esposa: “Que bom que você existe, meu amor!...” E sinto bem fundo a não presença da solidão em mim, da sombra em seus olhos a perguntar-me de meus verdadeiros sentimentos por ela.
Estendo-me ao longo do que dentro trago em mim. Amável faceirice substitui a ternura. Acho que nunca me esforcei tanto por desejar e querer a vida, senti-la-sendo em mim, ouvi-la, dizendo suas palavras de sabedoria e conhecimento; por agradar–me nem nunca fiquei tão contente comigo mesmo. Posso ocultar-me na luz de um abat-jour aceso e fazer de mim, de minhas próprias desgraças, infortúnios, infelicidades, e alguns momentos de alegria, júbilo e glória, um modo de descobrir-me, revelar-me, enfim, de ser-me. Posso expressar-me com empáfia e sabedoria, posso oferecer a Éblis uma gota de lágrima por estar feliz e contente com o conhecimento adquirido de quem sou, e pela indiferença da oferta o demônio imundo não irá se insatisfazer.
Certa vez, Camilo Castelo Branco disse: as almas infelizes envelhecem cedo. Esta é uma das maiores verdades que conheço. Como é grande a força da tristeza, da desolação, do medo! Como ela nos envelhece! Marca nossos olhos com sombras frias, encurva nossos ombros, estica a corda da vida, anda-se nela como se a qualquer momento pudesse se romper...O desejo de amor só vive de entrega, onde têm raízes a iluminação e a redenção, cujos frutos são os sonhos que alimentamos e AFAGAMOS,, e quem a outrem, que en-vela e re-vela, não poderá, Senhor, alguma vez, desalgemar de mim as mãos rápidas de gestos, deixando-me-ser aos olhos e ouvidos atentos e á minha nítida simplicidade de Alma?

Manoel Ferreira.

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