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quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

TABERNÁCULO DE BATATAS E BANANAS - Manoel Ferreira




Se é que se pode acreditar as únicas batatas verdadeiras são as oferecidas e enviadas aos vencedores, como o disse o imortal escritor Machado de Assis, em sua frase mais que famosa, “Aos vencedores, as batatas”, não sabendo se eles recebem, se recebem com alegria e satisfação, pois que se lhes pode afigurar ser um cinismo e ironia sem fronteiras, uma agressividade sem tamanho, enfim entregaram suas vidas inteiras aos seus desejos de realização, conseguindo serem vencedores, merecendo por isto louvores e glórias, sei como hei-de de chamar a esta pequena manifestação de sarcasmo.


Penso em mim próprio recebendo uma sacolinha de batatas, as mais frescas, as mais apetitosas, com o seguinte cartão, contendo uma letra muitíssima delineada e inteligível, causando-me inveja e ciúme, desejando até imita-la, o que é sim de todo impossível, com o seguinte escrito: “Aos vencedores, as batatas”; e sendo você um dos vencedores, tenho a liberdade de enviar as mais frescas, colhidas ainda ontem pela tarde”. Creio que iria receber tal presente com um belo sorriso no rosto, saindo a chamar por minha esposa, em voz alta, alegre e saltitante, dizendo que recebi batatas como presente, como reconhecimento de minhas lutas árduas por ser reconhecido em meu trabalho. A meio caminho, antes de encontrar com a esposa, viria um sentimento perqüiridor: “Será mesmo que sou um vencedor?”. Acabo de iniciar-me na carreira, ainda lutando com ardência para receber os primevos raios solares na mente e na alma, e já recebo batatas como presente de reconhecimento. Ninguém é vencedor de início, e sendo assim reconhecido, só pode haver alguma revelação escusa, um cinismo, uma ironia sobremodo envelada, um sarcasmo ferino. Acreditaria sim que o remetente da lembrancinha só poderia estar desejando tirar sarro da minha cara, e com uma frase assim tão de efeito, claro, retirada de Machado de Assis; mesmo assim, tem lá os seus valores, suas intenções, sentido um pouco diferente do que o autor quis registrar, que, aliás, deu origem a inúmeros ensaios, pesquisas, investigações.


Antes de anunciar e mostrar à esposa a sacolinha de batatas, com o cartão, já teria perdido toda a euforia e exultação, estaria que a dádiva era algo bem humilhante e ofensivo, e por momentos senti-me o mais recompensado dos homens. O responsável pela entrega fora embora. Impossível entregar de volta a ele, com um bilhetinho bem apimentado, agradecendo o presente, não podendo aceitar por não ser um vencedor ainda, muito embora não pudesse dizer com categoria ser um vencido. Fora recebido o mimo, embora a sentir-me envergonhado com a manifestação de alegria e júbilo.


Encontrando-me com a esposa na cozinha a preparar o almoço, diria simplesmente que recebera uma lembrancinha, batatas frescas, de um admirador, com um cartão bem irônico: “Aos vencedores, as batatas”. Teríamos batata frita para o almoço. Não posso negar em hipótese alguma que aprecio sobremodo batata frita, desde que não seja com catchup. Colocando as batatas sobre a mesa, sentando-me, tomando a térmica de café, um gole antes do velho cigarrinho, ficaria pensando em uma possibilidade de entendimento da mensagem: enfim, se há a batata das pernas, há também batata dos antebraços. Em verdade, o remetente após colocar as batatas na sacolinha, fez o gesto de segurar a batata do antebraço direito, levantando o braço, como fazem algumas pessoas iradas com alguém. Mandam-lhe uma boa batata. Só haveria uma diferença: neste caso, segura-se com a esquerda o meio do antebraço, fechando a mão. São detalhes. O remetente mandou-me uma boa batata. Em não o conhecendo, como fora tão agressivo comigo? O que fizera eu para o irritar tanto? Talvez tenha eu agredido alguém de suas relações, e não o saiba. Não o sei. O que me vem à mente de imediato, retirando as especulações inúteis, é que o amigo remetente seja alguém que está lutando com afinco e sofrimentos para conseguir o seu lugar ao sol, e nada está recebendo em troca, em recompensa, em reconhecimento, seja um vencido. Há vencidos e vencedores. Impossível um meio termo. Reconhecendo-me vencedor, reconhecia-se vencido, e sendo eu a legar-lhe esta consciência. A sua irritação comigo é que no início de minha carreira já esteja recebendo alguns reconhecimentos.


Bem, são imaginações de um espírito fértil. Em verdade, não recebi de ninguém batatas de presente, com um cartão com uma frase de efeito do imortal escritor. Contudo, é verdade, e isto aconteceu ontem, receber das mãos de um ouvinte algumas bananas. Tem ele assistido ao meu programa, gostando muito de meus pontos de vista acerca da vida e das situações quotidianas. Recebesse de suas mãos um mimo muito simples, mas dado com muito carinho e afeição, recebesse de suas mãos bananas. Senti-me feliz e alegre. De imediato, lembrei-me da frase do imortal escritor, mas não fiz qualquer comentário, seria uma desfeita sem limite, uma falta de consideração, um desrespeito. Ademais, não tinha ele qualquer intenção de um cinismo, ironia, sarcasmo, e com efeito talvez nem soubesse desta frase sui generis de Machado de Assis. Revelava a sua alegria e contentamento com as minhas crônicas na rádio.


Ao revés de algo assim, comentar sobre a frase do escritor, lembrou-me de logo pela manhã, ao acordar, disse à esposa que estava com desejos de tomar um bom cocktail. Ah, adoro cocktail de frutas. Tomo um vidro inteiro com prazer e alegria. Estava com vontade de um cocktail de banana. Não havia em casa. Havia umas poucas maças, talvez duas ou três, mas que eram suficientes para um cocktail. Não havia qualquer problema, não estaria deixando de realizar o desejo. Também aprecio muito maçãs. Assim aconteceu. A esposa fez o cocktail de maça, uma delícia.


Esqueceram-me por inteiro as bananas.


Fazendo a caminhada rotineira, encontro-me com um ouvinte e, muito gentil e educado, oferece-me bananas de presente. Comentei com ele sobre o desejo de tomar um cocktail de banana, logo que acordei. Tomei de maçãs. Não pensava em hipótese alguma que no mesmo dia iria receber um presente, exatamente as bananas. Alegrou-se o ouvinte com a minha sinceridade.


Despedimo-nos. Não se esqueceu ele de desejar que o cocktail fosse dos mais deliciosos. Com a sacolinha na mão, continuei a caminhada, lembrando-me da frase de Machado de Assis. Durante a caminhada, elaborava o início do artigo a ser escrito e gravado: “Se é que se pode acreditar as únicas bananas verdadeiras são as oferecidas por pessoas simples e ingênuas, os cinismos, sarcasmos, ironias ficam a cargo de quem recebe, e não sabe pensar nas revelações espirituais mais humanas...” Não completei o pensamento, apenas memorizei para, aquando chegasse a casa, escrevesse o artigo.


Passaram por mim algumas crianças pobres com suas pastas escolares, dirigindo-se à escola. Lembrou-me do horário do recreio, horário de um lanche, e muitas vezes nada têm de comer, vendo outros com uma condição melhorzinha comerem, com água na boca. O que fiz então? Isto é real e verdadeiro, e não apenas um estilo. Tirei da sacolinha algumas bananas, oferecendo às crianças, que me agradeceram com alegria e satisfação: “Deus te pague, senhor!...” Respondi-lhes, deixando algumas lágrimas caírem no rosto; “São as primeiras bananas que recebo de presente como escritor. Tenho a alegria de dividi-las com vocês. Também fui menino muito pobre”.


Continuei a caminhada com a sacolinha na mão direita, pensando que jamais poderia imaginar que iria receber como lembrancinha algumas bananas de ouvinte, de leitor. Em verdade, nunca pensei na minha vida que seria possível realizar alguma coisa na carreira. A Literatura é muitas vezes sobremodo elitista. Só para alguns privilegiados. E entre os escritores não há o mínimo respeito e consideração. Se há, é de se desconfiar. Estão tentando se projetar através do reconhecimento do outro. Em presença, fala-se mil maravilhas; por trás, manda as boas bananas ou batatas, dependendo do gosto de cada um.


Lembrava-me ainda de minha infância muito pobre, não tendo o que merendar na escola, vendo os colegas comendo pães com patê, pães com carne. A boca enchia dágua. Isolava-me nalgum canto do Grupo, tomava em mãos algum livro de Machado de Assis, O Alienista, Iaiá Garcia, Helena, os três principais de minha infância. Saboreava a leitura, como as crianças saboreavam o pão com patê, com carne.


Segui o caminho feliz da vida, com um enorme agradecimento no coração. Felizmente, as bananas serviram para me alegrar e, mais importante ainda, proporcionar às crianças pobres um alimento no horário do recreio na Escola.












































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