Total de visualizações de página

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

DE SABEDORIA VAZIA, O INSONDÁVEL - Manoel Ferreira





Poucos, quase ninguém mesmo, avaliando com sinceridade e honra, sabem que São Tomé fora o precursor, criador, inventor da dúvida cartesiana (não filosófica, como no caso de Descartes, que a tornou científica, o racionalismo; a dúvida de Tomé era teológica), quem mesmo sentira no corpo, alma, consciência, espírito, carne e ad-versos, os problemas e conflitos, dores e sofrimentos da descrença no transcendente, na ressurreição – a fama, sucesso endeusa o criador, lega-lhe a cadeira no Olimpo dos filósofos, cientistas, escritores, teólogos, mas se for feita uma in-vestigação criteriosa e honesta verifica-se o criador mesmo é bem anterior ao outro que vestiu a camisa da eternidade. Por exemplo, a máxima “Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” nunca foi de autoria de Lavoisier e sim de outro que lhe antecedeu. Numa humanidade altamente desenvolvida como a de hoje, cada um tem da natureza a possibilidade de alcançar vários talentos. Cada qual possui talento nato, mas em poucos é inato ou inculcado o grau de tenacidade, perseverança, energia, para que alguém se torne de fato um talento, isto é, se torne aquilo que é, ou seja, o descarregue em obras e ações.









Há inda professores des-informados, louvadores de carteirinha dos famosos imortais quem em suas aulas de Química afirmam com prepotência de sábio e douto a autoria desta máxima ser de Lavoisier. Por isto, não há de se contestar que os alunos saem mais analfabetos da escola do que quando entraram, muito pouco do que aprendem pode ser considerado verdadeiro, os interesses e ideologias deles são inestimáveis. A Química segue sua trajetória eivada de despautérios. É o caso de Descartes, considerado o pai da dúvida metódica, sendo São Tomé o verdadeiro pai dela, e quantos séculos antes.









São Tomé jamais perdeu a obsessão das verdades palpáveis, aquelas que só merecem ser acreditadas se vistas, tocadas, palpadas. Não lera em qualquer manual que por sua descrença na ressurreição São Tomé tenha ido parar direto no inferno, sem direito ao Juízo Final, quando sua vida na terra seria avaliada a rigor, mas acredito que sim, pois que Lúcifer deve ter adorado a descrença de Tomé, e tê-lo no inferno era benéfico para os séculos vindouros, para os infernados. Ora, os mais infelizes dos infernados – como se diria dos que habitam o céu: “ceusados”, que termo mais estranho e esquisito, ainda bem que não está dicionarizado (até tenho medo de minha criatividade ser considerada e reconhecida como vulgar), negligenciaria a imagem do céu, do dicionário, há termos que com sentidos esplendorosos são negligenciadores de imagens – são os arrependidos.









Se eu, por minhas insolências ferrenhas, rebeldias e revoltas, não fosse aceite no céu ou no inferno, ficando no espaço pela eternidade, flutuando, não aceitaria que dissessem sou um “espaçado” ou “espaçoso”, por me lembrar que, para os paulistanos, nós, os mineiros, somos reconhecidos e considerados “espaçados” ou “espaçosos”, queremos sempre ocupar o espaço do outro, preferiria mesmo dissessem que sou um “nadado”, após a morte habito no nada, o espaço não é o nada do uni-verso? Do nada vim, ao nada retornarei. Ademais, “nadado” significaria que por toda a eternidade estarei nadando nas minhas insolências, rebeldias, revoltas, arrependido de haver decidido a insolência como a pedra de toque de meu ser, de minha autenticidade, ao invés de aceitar tudo de mão beijada e lambida, como os homens comuns, e a cada braçada de nado um mergulho em busca do mais profundo do nada que me possibilitaria o entendimento do porquê escolhi a insolência, e essa consciência, sabedoria me legasse a con-versão às verdades do mundo, dos sistemas, dogmas, dando um salto pirotécnico, do frio do nada às chamas da dúvida metódica, destas chamas ao clima sereno e agradável do céu. Seria o precursor do salto na vida: a natureza não dá saltos, segundo a máxima latina, a vida não dá saltos, mas mudei isto não apenas em nível das palavras, da idéia, mas na morte mesma, da morte à vida o caminho é curto, da vida à morte é que longo demais.









Sempre ouço censuras as mais di-versas contra as minhas insolências, contra os meus ácidos críticos, contra os pepinos que descasco: “Você pega muito pesado...”, “Você não tem dó ou piedade dos miseráveis de alma, pobres de espírito”, “Você é insensível, desumano...”, “Se alguém escrevesse sobre você o mesmo que faz com as pessoas contrárias à sua de-finição de vida, de homem, qual seria a sua reação?...”, “Deveria ao menos relevar as atitudes e ações dos velhos, nesta idade precisam agarra-se em alguma coisa. Nem a eles você perdoa...”, “Quem é você, afinal, para negligenciar tanto a imagem do ser humano? Só pode se sentir superior, perfeito”. Se teria res-postas para tantas perguntas, que, enfim, significam ser eu igual a todos os homens, não o sei, sei apenas que a minha natureza re-versa os instintos em sentimentos puros de desejo de perfeição, e, com eles, in-versa os sofrimentos e dores em vontade de redenção de tantos erros, enganos, às avessas con-templo a verdade sob a luz de minhas descrenças, dúvidas, e desejo insofismavelmente encontrar meios e re-cursos de outros horizontes nos uni-versos de meus sonhos e esperanças.









Alguns poderiam subir nas tamancas, dizendo que são os meus talentos e dons os responsáveis por minhas in-versões, re-versões, e não a insolência, rebeldia, revolta, enfim sou um artista, mas estão equivocados em tudo, ninguém re-versa, in-versa se não for insolente, rebelde e revoltado, uma coisa puxa a outra, lembrando-me de uma máxima latina. Mesmo que não possuísse os meus dons e talentos, seria sempre revoltado, rebelde, insolente, desde toda a eternidade o fui, só que em vida descarreguei-os em obras e ações contra as hipocrisias, falsidades e farsas dos homens, do mundo. Não sou re-formista, revolucionário, sou quem deseja atmosfera outra que esta em que estamos vivendo no mundo, na existência, se não no mundo for possível esta atmosfera que sonho, pelo menos em mim torno-a possível e real. Tudo o mais são opiniões, pontos de vista dos outros. Não admito rótulos. Dizia-me um professor de Teoria do Conhecimento: “Você tem que tomar muito cuidado em não deixar que lhe coloquem um rótulo na testa, passando a desfilar com ela por todos os cantos do mundo. Ser-lhe-á prejudicial. Sou avesso a conselhos, mas arrisco um, isto por que lhe reconheço as virtudes e valores: seja você mesmo, mesmo que a todo momento tenha de modificar suas ações e atitudes. Escreveu um texto, pense e cria outro diferente, com outras idéias, embora possa ser considerado um homem inconstante. A inconstância é pedra de toque para a busca do ser, significa que nada lhe preenche os desejos e vontades”. Nunca me esqueci do que me disse este mestre, e sempre procurei seguir-lhe o conselho a critério e rigor.









Os arrependidos no inferno censuraram amarga e angustiadamente a Tomé:









- Viu? Só de teimoso você perdeu o céu...









E Tomé:









- O céu? O paraíso celestial? Não sejam doidos, ensandecidos... Não sejam Simão Bacamarte...









- Quem é este Simão Bacamarte? – perguntaram-lhe os infernados realmente curiosos e assustados, nunca ouviram falar dele. Com certeza, não estava no inferno, e provavelmente nem no céu.









- Não importa quem seja, quem tenha sido. É invenção minha...









- Ah, sim...









E Tomé:









- O céu?...




Nenhum comentário:

Postar um comentário