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terça-feira, 24 de novembro de 2015

CORCOVADO DE ESPERANÇAS - III PARTE – IMAGEM DO NOSSO CANSAÇO - MANOEL FERREIRA NETO





Tinha a solidão desenvolvido no jovem que fui aquela extremada impressionabilidade, e deixado, assim, meus sentidos sem defesa, como a descoberto? Não se teria acumulado aquela efervescência na angústia das insônias, no silêncio de minha reclusão? Eram precisos todos aqueles esforços desordenados e todas as impacientes emoções do espírito, ingenuidade dos sentimentos de revolta, para que, afinal, o coração pudesse abrir-se, encontrar uma solução e retomar o entusiasmo? Ou era simplesmente a hora que tinha soado? E as coisas deviam acontecer assim, rapidamente, como num dia de calor abafante o céu escurece, súbito, descarregando-se a seguir sobre a terra sedenta, alterada pela chuva quente que suspende pérolas nos arbustos, nas ervas dos campos e curva, até o chão, as corolas das delicadas flores... Mas, ao primeiro raio do sol, tudo renasce, levanta-se, lança-se ao encontro da luz, e, solenemente, envia ao céu, para festejar esse re-nascimento, abundantes e suaves eflúvios de alegria e saúde....
Já estais acostumada comigo, enfim não faço outra coisa senão brincar com os vossos brios, como o dizeis em muitos dos nossos diálogos, monólogos, colóquios, dedos de prosa – sei que sabeis distinguir as diferenças entre eles -, e muitas vezes rides com a minha insolência e prepotência – “... o nosso menino atribui a si um grande conhecimento das coisas, dos homens, dos objetos, conhecimento maior que o nosso, tomando em conta a nossa idade secular, milenária”, e eu, no mesmo tom de brincadeira e galhofa lhes respondi não se tratar disso, tratar-se unicamente de que sou um sonhador, imagino a vida um sonho dentro de outro sonho, dentro de outro sonho, e a continuidade dos sonhos é a nossa imagem no espelho da eternidade. A propósito, onde estão os vossos sonhos dentro de outros? Cristalizaram-se. Apenas uma imagem para os homens de quando em vez observarem. O que reflete? Nada. Já me conheceis, sabeis desses meus arroubos de intelectualidade, emocionalidade, sentimentalidade, e o mais que se queira ou deseje acrescentar para enfatizar mais a busca do espírito.
Creio que ireis dizer sobre esse velho hábito de criar pensamentos, idéias, vivê-los, e “... a continuidade dos sonhos é a nossa imagem no espelho da eternidade” exemplo mais que típico de profundidade de conhecimento aderido às buscas da consciência-estética-ética. O vosso menino, desde esse inicio, com essa coisa que sente no íntimo de si, na alma, no espírito, e a todo momento vive no quotidiano de sua vida, está querendo mostrar, revelar que adquiriu nesses longos anos, com as conversas mantidas em tantos momentos, maior profundidade, perspicácia e destreza com os pensamentos e idéias,  e que agora nessa missiva propõe manter um diálogo nesses termos, sem regras e normas, deixando a nossa intuição e percepção, e todas as demais dimensões espirituais e contingentes do homem, estarem livres para criar e recriar a nossa vida, frente a esses e aqueles momentos. Desde então, proponho a seriedade e um diálogo claro e cristalino, e para isso um conhecimento de nossa tão difícil Língua Portuguesa – para vós, isso é verdadeiramente “fichinha”, pois conheceis todas as línguas desde o país minúsculo até à imagem de um lugarejo à beira da estrada na cabeça de um insano ou embriagado ou de um asno extasiado. A escolha fica a critério de cada um.
Não desejas o título de “Machado de Assis dos homens” – isto é, a tua língua é clássica-erudita, e quem no Brasil escrevia nestes moldes, estilo e linguagem, era o grande escritor, andais ombro a ombro com ele. Sei o porquê que não desejas isso: infelizmente há muitos que não o suportam, por essa razão, e por suas longas descrições. Não é um modo de elogiar; ao contrário, é de entristecer, pois que se escrevêsseis, muito poucos iriam desejar ler, quanto mais num Brasil do início do século XXI, impregnado do ensino ridículo, como devia ser, pois não é bom que os brasileiros conheçam suas artes e sua língua. Soube de alguém que recebera esse título “Machado de Assis de...”, o nome da cidade não me recorda agora – vale ressaltar, carinhoso, terno, de um dos teus mais íntimos e pessoais amigos -, sentindo-se lisonjeado, mas tem ele condições e talentos para compensar a chatice da língua clássica, erudita, com a poesia que habita a sua prosa. Parabenizei-o, embora não o conheça, fiz essa ressalva a quem mo disse.   
Se a vida é para mim um problema – como certamente acontece – eu também não deixo de ser um problema para ela. Eis aqui o fundamental para iniciar um diálogo sincero entre nós, o reconhecimento e a aceitação das coisas como elas realmente são, de ambos os lados. As pessoas são forçadas a adotar uma atitude qualquer a meu respeito e, ao fazê-lo, não estão julgando a mim, mas a si próprios. Seria inútil dizer que não me refiro aqui a qualquer indivíduo em particular. As únicas pessoas com quem gostaria de conviver agora seriam os artistas e com os que sofreram, com aqueles que conhecem a beleza e o sofrimento – ninguém mais me interessa. Nem estou exigindo que a vida me dê alguma coisa. Em tudo o que disse até agora, minha única preocupação é a atitude mental diante da vida como um todo. E acredito não sentir vergonha – já sabeis o que penso mesmo da “vergonha”, mas para enfatizar aqui deixo registrado novamente: “a vergonha é a lata amarrada ao rabo do caráter”; sempre que me referir a ela, creio ser imprescindível que a repenseis  em conformidade com o que tiverdes lido, uma in-vestigação criteriosa de meu pensamento, de minha visão-(de)-mundo - de ter sido castigado é uma das primeiras metas a atingir, em benefício do meu próprio desenvolvimento e também por ser tão imperfeito. Acerca da imperfeição, estou persuadido e convencido de que seja assim mesmo que o “engenho completa o engenho e o espírito aprende as línguas do espírito”.
Aliás, creio haver-vos dito anteriormente, iria orientar-vos em certos momentos da leitura, pois que se torna imprescindível  outras luzes de interpretação, e só com estas luzes se torna possível  con-templá-las, desejar o conhecimento delas, podeis conhecer-me um “poucochito” mais. Creio que a intuição já vos tenhais alertado para o que estou dizendo. Pensai nisto de a vergonha ser a lata amarrada ao rabo do caráter comungado a isto e o engenho completar o engenho e o espírito aprender as línguas do espírito”, sobretudo à luz do caráter. Ireis perceber com nitidez e transparência que o abismo é muito mais fundo do que em primeva instância havíeis pensado. 
Há em Coriaçu dois homens singulares. Se um deles pensar que tem direito de destilar o ácido crítico, o outro vai pensar que é seu dever replicar com ácido crítico ainda mais forte. No entanto, são pessoas que tem suas próprias posições, não agem levadas por outros. São muitíssimo amigas.  Foram colegas de escola, um deles era mais novo, estava em ano escolar anterior. Conforme o que sei, o irmão de um deles é que estudou com o outro. São personalidades da política e da cultura. Em conformidade com o que sei do caráter e personalidade de ambos era já para ter havido qualquer qüiproquó, e no entanto jamais houve. 
Faz longos anos venho pensando em fazê-lo, apoiado em nossas experiências e vivências, mas dizia – creio que o diga ainda – que não era a devida hora, as coisas acontecem aí; nisto venho adiando, adiando, mas o desejo continuou a sua trajetória. Acredito que isso de pensar em dirigir-vos a palavra, através de missiva, desde a juventude, quando tive em mãos uma carta de amigo que participara a mudança para outra cidade, e a linguagem dele me fez lembrar-vos, ele não se dirigia a mim unicamente, ele se dirigia a todos os colegas que havia deixado para trás, e também uma espécie de mensagem para os rapazes que, no futuro, viveriam a sua situação.
Sim... Eis a razão de isso estar dizendo. Podeis dizer com toda categoria que a missiva não passa de um monólogo, conversa com os vários eus que me habitam, não chegou a tornar-se missiva a vós. Óbvio, quem sou para negar que isso é possível, não apenas possível, é real. Mas isso irá depender da linguagem e do estilo. A linguagem e o estilo sou eu, mas transcendem.    
Após o termino da faculdade, num sábado à tarde, liguei a televisão para procurar algum programa interessante, acabei assistindo a um filme de cujo nome não me lembra. A história de um casal de médicos. A esposa estava grávida. Trabalhava como oncologista no hospital em que o marido também o fazia. Fora designada para servir como médica numa aldeia indígena, creio que na Venezuela. O marido não queria que ela fosse, dizendo estar grávida, ser preciso cuidar da gravidez, respondendo-lhe: “Havíamos combinado que se fosse necessário carregaríamos nossos filhos nas costas para sermos útil a quem estivesse precisando de nós”.
Direis vós ser muito interessante isso de eu não me lembrar de títulos de filmes a que assisti desde a primeira película, no Cine Marabá, hoje Hotel Marabá, Tarzan, estava com os meus cinco anos. Desde então, sempre amei o cinema, sobretudo grandes dramas e tragédias, e nunca me interessei por memorizar. Houve um curso de cinema em Coriaçu, estava eu com doze ou treze anos, não me recorda bem, tive vontade, mas não pude por ser menor, exigiam a maioridade. Posso garantir-vos que todas as vezes que assisto a filmes, novelas, fico imaginando todo o processo de construção da personagem, a fala, a re-presentação. Até hoje o desejo de re-presentar habita-me forte e presente, encontrei outro modo de desenvolver os dons e talentos para o teatro, cinema e televisão, encontrei-vos, mantivemos relações amistosas desde então, e agora inicio este escrito a vós. É uma re-presentação. Quem sabe algum dia não surja a oportunidade de representar nalgum filme. Certa vez, na época de de estudante de Psicologia, fui o narrador de um curta-metragem sobre Dom Casmurro, Machado de Assis. Amei o trabalho que fiz.
Direis desse modo, ser interessante a não-lembrança de filmes, tendo memorizado a fala da personagem, a mulher, sobre o que haviam prometido a si mesmo cumprir, custasse o que custasse. Há-de se considerar serem palavras, para mim mais fácil de ser feito do que memorizar as cenas... Não saberia explicar-vos isso com toda a categoria, creio ser mais rápido, não precisando carregar nas tintas, que a não-lembrança do enredo, das cenas, e só poucas coisas guardei das falas, não iria nunca conhecer o que era arte cinematográfica, seguiria outros rumos na vida, a psique, conhecer-me a mim próprio. 
Na infância, apreciava os filmes de imperadores romanos, o despropósito deles, os que lutavam contra aqueles ditadores – normalmente a criança vai para ver as lutas; eu ia para conhecer o passado. Na juventude, filmes de ação. Ia à matinées todos os domingos às dez e meia da manhã, por vezes aos sábados. Na época de estudante apreciava os filmes de arte, e sempre gostei de Ingmar Bergman, Rainer Werner Fassbinder, Charles Chaplin,  Antonioni, Fellini, Costa Gavras. Só não gosto mesmo de comédias.  Não sei se foi Cenas de um casamento sueco, Ingmar Bergman, que me deixou sobremodo angustiado, saí do cinema correndo, queria ver-me bem distante dos homens, das coisas e dos objetos. Creio que é neste filme que uma das personagens dilacera a vagina com um caco de vidro, a negação completa e absoluta da vida.
O mais interessante, digo-vos com sinceridade, é que não me lembram cenas. Acontece de assistir a um filme pela televisão, tempos após assistir até à metade para desconfiar se já não assisti.  Na adolescência, tinha um caderno onde anotava todos os títulos de filme a que assistia na televisão e no cinema. Quatro anos. Preenchi três cadernos de 20 folhas. Não dera valor a isso, pois que todas as vezes que abria e consultava um título não era capaz de lembrar das cenas. Para isso, seria necessário que visse inúmeras vezes.
Aí, comecei de um pouco duvidar de minha memória – para mim ela deveria guardar tudo, desde os mínimos detalhes, em quaisquer âmbitos que vós e todos os homens podeis imaginar -, não podia guardar tudo (nesse sentido, podia acolher conscientemente e recolher inconscientemente, apesar de que isto só mais tarde poderá ser intuído, quando não estiver mais vivo, não sobrando qualquer “cisquinho” de minha cinza), o que podia guardar conscientemente dependia de minha capacidade, habilidade, dom, ingenuidade de a recriar, e em cada recriação sentir como se nada houvesse acontecido, eis a primeva experiência, as vivências dar-me-ão o gosto de saber-me vida....
Devido aos questionamentos, buscas que em mim trazia dentro na infância e juventude, o isolamento, discriminações, preconceitos, ódios, raivas, invejas, ciúmes, mesmo por ser  de caráter forte, digo o que penso e sinto, e por isso descasquei alguns pepinos na cara das pessoas, inimizades inúmeras, fiquei com medo de revelar os meus tons artísticos e intelectuais, tive de reprimi-los para não ser ainda mais discriminado. Não sabeis como eram os princípios éticos e morais de meu tempo, arraigados, dogmáticos, manifestar dons artísticos era mesmo objeto de discriminação. 
Verdade é que me senti envergonhado por saber que ali naqueles cadernos estavam inscritos títulos de filme de quinta categoria, mais na televisão, os de cinema, dentre eles Tango em Paris, Dr. Zhivago, E o vento levou, Titãs., Hércules, Sansão, Moisés, Cleópatra (não sei porque ainda não compreendi a mensagem que os dois últimos deixaram em minha vida). Lembraram-me esses títulos por já os haver assistido inúmeras vezes. Se alguém encontrasse esses cadernos iria duvidar de meus sensos de ridículo e crítica. Perderam-se, não sei como. Havia filmes históricos, lendas, mistérios, assistidos em nosso cinema, a época áurea dele. Anotava alguns pormenores, por exemplo, especificando os mistérios e lendas, e muito poucos históricos.
Voltemos ao filme assistido por mim. Embora tenha divagado além da necessidade, era preciso dizer-vos a respeito, para que possa perceber ser uma tentativa de descrever a obra. Não é tarefa fácil. Creio podeis imaginar estou suando para isto real-izar.
A médica partiu. Houve uma tempestade enorme e numa passagem na estrada havia um abismo e o ônibus foi empurrado, não sobrou ninguém, as águas levaram os corpos. O médico não quis admitir a morte da mulher. Toda a sua vida no hospital passa por transformações. Todos os colegas aconselhavam que tirasse umas férias do hospital, estava necessitando. Depois de muitas situações vividas, decide fazer a viagem. Havia um desenho feito por uma das crianças, esteve semimorta e, ao retornar, disse ao médico que a mulher havia pedido que fosse lá, mostrou-lhe o desenho. Descobriu o desenho no mapa na Venezuela. Partira. Lá numa aldeia encontrou a filha. A mulher morrera, os índios não puderam salvá-la. Levantando a criança nas mãos, disse-lhe: “Só acreditando que a gente chega lá”.
Tivera a intuição da vida – acreditou que fosse a mulher quem estivesse viva, o seu desejo era esse, pudesse ter o filho que tanto desejava. A esposa morrera. A criança sobreviveu. A Vida... Não sei se diga que nem sempre as coisas acontecem como as desejamos, mas, com efeito, como se revelarão será um caminho outro para seguir e, nas profundezas e corcovas do silêncio, encontrar o que nos preenche por inteiro. 
Acreditei que um dia, além de nossas conversas, que é corriqueiro até conversarmos, mas escrever-vos-ia uma missiva, dizendo-vos do quotidiano da vida, não apenas meu, mas de vós e de todos os homens. Bem: por que “de vós”, “de todos os homens”, a união de todos os homens de todo mundo é chamada, definida, conceituada como humanidade? Não é necessário tecer toda uma explicação. No decorrer da escrita dessa missiva vós podeis analisar, traduzir, interpretar qual a idéia primordial que intenciono deixar inscrita nessa missiva. 
Sabeis de meu grande amor pelo blues, jazz, rock´n´roll, música clássica, a genuína sertaneja, popular brasileira; sinceramente, odeio o “brega”, as duplas que infestaram a rádio no Brasil. Paupérrimas. Tenho arrepios só de imaginar estejam tocando nalgum recanto.  Nesse sentido, conheceis Meu caro amigo, Chico Buarque de Holanda - desperta em mim, um sentimento de quem envia uma missiva a todos os homens de seu exílio, contando sobre as coisas do país, do sistema econômico, social e político.
Iliara Jasmine, por vezes, irrita-me com a insistência e persistência com o dar eu atenção às pessoas, saber todas têm problemas insolucionáveis, angústias, tristezas, sonhos e utopias. Sei disso. Contudo, conheço o sentimento que me habita por todos, estou interessado em quem me procura para conversarmos sobre os seus sofrimentos e dores. Não diria que perdera a paciência, mas lhe disse um pouco agressivo: “Faço o que quero. Sou amigo ou inimigo de quem quero. Trato bem ou mal a quem quero”. Simples palavras, não penso assim. Está mais uma vez confirmado que numa simples discussão entre um homem e uma mulher o que se diz são palavras vãs, mas que ferem, machucam, humilham, ofendem. Não vos parece a imagem da descida, estar descendo uma escala de sentimentos desde o ferir até o ofender? Não sei se intuo ou sinto isso presente, verdade é que a imagem me sugeriu essa decida. 
Dissera-me à noite que trabalhara todo o dia aborrecida, não gosta de discutir comigo, é ruim, é triste. Respondi-lhe:
-                    Meu tesouro dos cabelos cacheados, não guardo mágoas de você. É só no momento. Você é a única pessoa que perdôo no mundo, juntamente com alguns amigos. Não se preocupe, amo muito você. Querida... Minha vida... Perdoe-me pelas palavras de não. Sabe de uma coisa? Nunca tive de perdoar os amigos por uma atitude de não, não foram arbitrários comigo. Mas alguns deles tiveram de perdoar-me por atitudes indecentes.
Chamou-me, então, para irmos a um barzinho, conversarmos coisas tolas, comer e tomar uma cerveja. Sabe que não bebo, mas ela adora uma branquinha e uma cerveja. Fomos. A caminho, sugeri-lhe que fôssemos a um barzinho que havia recentemente aberto, dois quarteirões de nossa residência.
O garçom atendeu-nos com muita educação. Pareceu-me que me conhecia. Talvez tenha comprado algum medicamento ou ração para o seu cão na loja, estando eu no momento. Tocava a genuína sertaneja, a que mais gostei foi João Boiadeiro, não me lembra os compositores. Conhecia Chico Mineiro. Os autores da primeira, são dois, não consigo lembrar-me. Não os memorizei. Confesso nunca, jamais haver sentido tão bem num lugar quanto no Taberna das Gerais, lembravam-me as músicas de minhas origens sertanejas, a minha terra-sertaneja, e por isso garatujei umas palavras no papel e entreguei ao garçom. Falava de sensações e sentimentos que me habitara enquanto conversava com Iliara Jasmine e ouvíamos músicas. Só nós dois no barzinho, aliás, porão de uma residência antiqüíssima, que fora restaurada por seus proprietários. Algumas pessoas, quando chegamos, estavam sentadas em bancos encostados ao balcão. Três homens, mas não ouvia a conversa que mantinham, não por estar distante, mas por falarem baixo. Fora uma noite esplendorosa, ouvindo a genuína sertaneja.
Em nossa conversa, que, de início, versou sobre a inveja, contou-me que certa vez, ainda era solteira, na missa das sete horas na igreja da Matriz, vira uma blusa tão linda, tão linda, que não conseguia desviar as vistas, e a vontade enorme de possuí-la. Se não estivesse na igreja, teria arrancado a blusa da mocinha.
-                    Não é inveja. Foi o desejo de adquirir uma igual. A inveja é quando a pessoa não tem condições de alcançar o que o outro tem, ou adquirir, deseja, e conhece os seus limites, sente-se inferiorizado, atribui a culpa ao outro, daí destilando o seu veneno.
Não sei se fora mesmo Machado de Assis, quero acreditar que sim, devido à linguagem e estilo: “vão-se os anéis; ficam os dedos”.  Nessa missiva, para brincar à “ironia branca”, pensei nisso: no sentido de que nessa missiva habitariam as idéias, experiências, pensamentos, mensagens, entrelinhas, além-linhas ou não, e o que fica são os desejos  de outros frutos, de outras conquistas, experiências e vivências, o caminhar rumo à plenitude, assim penso eu.  O que vai são os desejos, vontades, sonhos e esperanças, fé.    
Devo ser sincero, se é que desejo ter respostas, não só através das razões, as des-razões não necessárias no processo. Saber fazer as perguntas, explicando-me sempre que puder, para obter o que desejo nesse nosso diálogo, agora através de uma missiva.
Não é interessante isso: imaginai que estais ao meu lado, participando de todas as minhas emoções, orientando nos caminhos das letras, sabendo o que me perpassa a alma e o espírito, e vou enviar-lhe, quando for encerrada, quando não vos posso garantir, será longa essa missiva, nada além dos limites pré-estabelecidos pelo cansaço. Aliás, como dizia um escritor curvelano, Lúcio Cardoso, o escritor maior dessa terra mineira, a “capital da literatura” de Guimarães Rosa: “O longe é imagem do nosso cansaço”. Sei que vós ireis ler com todo apreço e carinho, quanto mais que é escrita pelo vosso eterno “nosso menino”, terá prazer em degustar as suas letras, óbvio, terá muito trabalho para as entender e compreender nas suas entrelinhas e além-linhas, mas tendes a eternidade inteira para lerdes essa missiva, o meu tempo é que é breve nesse mundo. Quem sabe não haverá especialistas, mestres, doutores nessa missiva, in-vestigando-a em todos os ângulos e pontos de vista possíveis e impossíveis, a fim de mergulhar fundo nela, arrancar-lhe, anunciando o que, nela, habita, e muitos de vós, tendo dificuldades de compreensão, será suficiente procurar um desses homens e pedir-lhe para esclarecer um detalhe.
Se lerdes mais de uma vez – alguns homens lerão muitas -, por ser epígrafe dessa missiva de quem é, durante toda a leitura irá procurar entender sob o ângulo dela, por que o longe é a imagem do nosso cansaço? E simplesmente essa pergunta irá despertar-vos para encontros, realizações, não se cansa de buscar, de desejar, de ter vontade, enfim a vida é isso, sonhos, desejos, vontades.








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